PRISIONEIRO DA INVEJA
Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ
Ao longe vem um canto triste trinado
Um pedido de socorro, um choro cantado,
É um lamento, o som pesado da agonia.
Uma queixa que ouço durante todo o dia.
É um pequeno pássaro lindo e indefeso
Que foi objeto de um homem invejoso,
Da beleza, da liberdade e do canto mavioso.
Foi iludido, caçado, condenado e preso!
A pena mais dolorosa, mais cruel!
Viver numa pequena gaiola de madeira
Com um poleiro, água, forro de papel,
E uma ração considerada de primeira.
O canto da tristeza ressoa apelante
Que foi que eu fiz? Tirem-me daqui...
Vou voar muito alto para bem distante
Eu juro, nunca mais vou voltar aqui,
Prometo agora: - nunca mais cantar,
Nunca mais anunciar o amanhecer
E no por sol me calar e me esconder
Nunca mais, na sua frente aparecer.
Mas me solte, não quero ser prisioneiro.
Quero ser passarinho, sair deste poleiro.
Quero soltar minhas asas com vento viajar
Com o bando da minha plumagem, voar.
Quero construir meu ninho,
Quero chocar meus ovinhos
Quero ter meus filhinhos,
Não quero viver sozinho!
Tenho alma nobre e voz de cantor.
Tenho a sensibilidade do poeta.
Tenho a vida livre como meta.
Tenho na mente o amor do criador!
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SERRA DO RIO DO RASTRO
Sueli Dutra
Florianópolis - SC
O céu era de um de um azul límpido, distante, muito mais infinito.Permitia sonhar...A estrada sinuosa guardava a beleza do que outrora parecia inalcançável.Invadia a serra.Afrontava o cânion.Mirava cachoeiras.Incrustada no verde da Mata Atlântica, ora desbravada,embalava os sonhos na silhueta das curvas intermitentes.Parecia não haver chegada.Subia.Subia.Pelas montanhas deixava-se abraçar e, juntas, fustigavam a perplexidade do olhar.As nuvens flutuavam lúdicas.Queriam compor a nobreza do lugar chegando quase a rogar.Faziam parte da natureza.Brincavam entre si, desenhando na imaginação de quem via desenhos e silhuetas em doce ilusão, vestindo as montanhas de um véu delicado e farto num “composé” impossível de descrever.Bastava olhar para sentir...O sentido aguçava a comunhão entre o homem e o que não há explicação: A natureza e o entorpecer a visão!
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A PELE DO MUNDO
Suerdes Viana
Januária - MG
Em seu tecido epitelial
dorme crateras
que atinge a atmosfera.
A pele do mundo
está cortada, corroída, lesionada.
Bem fundo, onde a derme dorme cansada.
Há toxidade nas águas
e as chuvas são ácidas.
Há aridez no solo
e os ventos são cálidos.
Há desmatamento em massa.
Pirraça do capitalismo selvagem.
E as matas perdendo folhas-pulmão.
Há estreitos leitos de rios
e os peixes sem habitat.
A epiderme do mundo cheira mal.
Tecido epitelial estragado, literal!
Há infecção, poluição,
causada por vírus
que adoece o coração.
Há que se fazer uma limpeza.
Faxina na pele do mundo.
Descascar as feridas e vislumbrar
o viço, a vida... desse imenso tecido
que reveste nossa morada.
Basta um toque.
Um afago consciencioso
para acionar o extrato germinativo
que mora na epiderme.
E a pele do mundo respirar feliz.
Ainda que...
Cic atriz!
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UM LUGAR QUE NUNCA ESQUECEREI
Maria Theodora Mendes Cid
Niterói - RJ
Um lugar que nunca esquecerei é aquele onde nasci e vivi até minha adolescência.
Era um lindo vale localizado no coração da Mata Atlântica. Entre altas montanhas, cortado por grandes rios e muitos regatos, você encontraria Ribeirão Vermelho - a terra dos sonhos do meu pai e de sua pequena filha.
O céu de minha terra tinha mais estrelas e lá o brilho da lua não era o mesmo de qualquer outro lugar no mundo. Em noites escuras nós podíamos ver a luz dos vagalumes. As noites enluaradas eram tão claras que éramos capazes de ver qualquer coisa, como se nestas noites brilhasse um sol ardente.
Lá estávamos
bem juntos à Natureza. Naquela época, eu passava horas e horas, a cada noite e a cada dia, olhando, observando o mundo ao meu redor. Conversando ou sonhando com o Sol, a floresta, a Lua, as tempestades. Eu os amava. Eles eram meu sangue, meu coração, meu corpo e minha alma. Eu era parte deles, e eles eram parte de mim. Nós nos misturávamos uns aos outros.
Nós sempre sabíamos quando o tempo seria chuvoso ou ventoso, quando haveria tempestade ou serração. Ambos, a canção dos pássaros e a voz das galinhas, diziam-nos o que iria ocorrer. A Natureza falava alto, mas somente os povos da terra eram capazes de entender sua voz.
Quando lá vivia, eu costumava permanecer acordada até tarde, observando o céu, conversando com as estrelas e com a lua brilhante - fazendo perguntas que só os sonhadores são capazes de fazer, e somente a eles são dadas as respostas. Aquele era um místico, estranho mundo, muito distante daqui! Se você quiser ir lá, terá que viajar à velocidade da luz, através do tempo e do espaço, para um passado distante. A Natureza selvagem fez minha alma selvagem, e o contato com os animais selvagens, transformou-me em um deles.
Nossa casa era feita de madeira e barro, nossa luz era produzida, não pela eletricidade, mas pela luz da lua; nossa TV era a natureza; nosso teto, o céu (depois das violentas tempestades); nossa chão, a terra. Nosso chuveiro eram as frias e claras águas dos rios, e nosso verdadeiro lar, a floresta.
Em Ribeirão Vermelho nós amavamos as violentas tempestades, tempestades estas, nunca mais vistas em qualquer outro lugar em minha vida, mas elas não nos amedrontavam. Os ventos eram tão fortes, e os trovões tão espetaculares, que jamais os esquecerei. Enquanto os trovões sacudiam a terra, os raios a clareavam, quebrando grandes árvores e altas rochas ao mesmo tempo. Milhões de litros de água corriam rapidamente montanhas abaixo, enchendo os rios e a terra, rugindo ensurdecedoramente, cobrindo tudo. Este era um mundo de água. Nosso telhado, usado para nos proteger da velocidade e do poder do vento, acabava sendo por ele levado. Eu penso que nunca encontrarei as palavras certas para traduzir meus sentimentos àquela época. Ninguém que lá tivesse vivido temeria as tempestades. Eu me sentia, não como uma pessoa, mas como parte do corpo dos temporais. Meu coração era o coração deles. Todas as coisas mostravam-me a presença de Deus: sua voz, seu poder, seu amor! Ele estava em todos os lugares: no verde da floresta, no murmúrio dos regatos, no bramido das tempestades, na água clara dos rios, na carícia do vento, no calor do sol, e na profunda luz da lua. Ele estava no azul do céu e no ar que respirávamos. Ele nos falava, Ele nos tocava...
Nunca deveria ter saído de lá. Meu corpo está aqui, mas a minha alma lá está e sempre estará. Aqui não mais posso ver Deus. Eu O deixei lá. Eu O perdi. Perdi Thereza também. Eu a deixei em Ribeirão Vermelho. É muito triste! Se pelo menos pudesse voltar, encontraria meu passado, meus fantasmas!
Ribeirão Vermelho pertence, hoje, ao Parque Nacional do Desengano (nome originado da mais alta montanha do lugar). Ribeirão Vermelho está muito longe de mim, está perdido.
Meus pais já não vivem lá, eu os perdi, a ambos.
“Desengano” tem um significado muito especial para a pequena menina que sonhou em abraçar o mundo e acabou caída, não em sua amada terra, mas no asfalto. Nada tenho de lá, nem mesmo fotos, apenas a lembrança dos espelhos de água, claros e transparentes, de seus rios e regatos.
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METAMORFOSE
Aparecido Donizetti Hernandez
Itapevi - SP
Durante a vida as experiências por nós vividas formam o que podemos chamar de conceitos culturais, onde a formação de nosso caráter humano é o conjunto do que vivenciamos e os exemplos que temos, em especial de nossos familiares e, amigos que temos como exemplo.
A máxima sempre dita “Dizes com quem andas que direis que és”, não se aplica à formação de caráter e de atos do se humano; (Lembrem-se Judas andava com Cristo e Pedro também, traiu e o renegou) por que a atitude e as ações de indivíduos não se têm somente em uma única experiência, mas em muitas expiações.
Conheci pessoas que apesar de uma educação tanto de bons exemplos familiares, quanto em uma relação sócio cultural de “alto nível” ter a maldade e a mesquinhez como prática cotidiana, reforçada ainda por todo tipo de preconceitos, e conheci pessoas que apesar de uma origem simples sem muita educação formal e pouco acesso a informações do mundo, a não ser de seu pequeno e localizado mundo, com uma bondade e altivez e uma profunda visão humana, de respeito à diversidade, que com toda certeza surpreenderia qualquer estudioso e antropólogo.
O ser humano não tem a capacidade da metamorfose, mas tem a capacidade com seu livre arbítrio de construir e seguir novos e melhores caminhos.
Temos que nos indignar com as maldades, a maldade que destrói outros seres humanos, a própria Terra e a ambição no sentido de ganância que também vem destruindo nosso planeta e outros seres humanos e deixando marcas de destruição.
A Terra tem a capacidade da metamorfose e poderá destruir quem tenta destrui-la, para continuar sua órbita perene.
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APOCALIPSE...AGORA!
Maria Rita de Cássia Preto Miranda
São Sebastião do Paraíso - MG
O caos estava instalado. Mais depressa do que alguém pudesse imaginar, o futuro longínguo chegara. Com ele a profecia se cumpria. Tudo perdeu sua identidade.
O céu diurno privou-se do seu tom azulado dando lugar para um triste cinza. O dia se tornou pequeno demais seguido por uma noite tão escura, que as luzes artificiais eram ofuscadas pelo pretume intermitente. Não se avistava nenhuma estrela e a lua se fora, talvez para sempre. O ar ficou pesado, impróprio para os pulmões, resultado de partículas acumuladas ao longo de anos de poluição. Somente o sol continuava no meio do céu cinza a lançar raios cada vez mais quentes e insuportáveis.
As matas não mais coloridas de verde tinham agora seus troncos e galhos de árvores queimados pelo sol abrasador. As aves debandavam na esperança de encontrar lugares que ainda pudessem lhes oferecer seus alimentos. Os animais silvestres corriam de um lugar a outro, chegavam até às cidades escaldados pelo calor intenso.
O mar ficou revolto e ondas gigantescas lavavam as praias e parte das cidades litorâneas. Os peixes jaziam encalhados na areia.
Os rios se paralizaram formando imensas lagoas com águas poluídas e sem vida. As chuvas se tornaram escassas e quando caíam, vinham com tremendos raios e trovões e suas águas eram mornas.
A natureza estava em polvorosa.
As pessoas que conseguiam sobreviver, repetiam como autômatas: -a profecia se cumpre. Andavam pelas ruas desertas muitas vezes sem rumo, apenas não acreditando no que seus olhos insistiam em lhes mostrar. Incrédulas e medrosas queriam a qualquer custo reverter a situação. Mas como? Os governos se desgovernaram e o povo sem liderança se sentia inapto. Assistiam a tudo impotentes e incompetentes.
Então a fome assolou a população. Com fome e sem pão, o inevitável aconteceu. Pequenas batalhas eram travadas para conseguir um pouco que fosse de alimento para matar a fome que já dizimava as pessoas mais fracas. Os animais, agora misturados à população, eram às vezes abatidos, quando não conseguiam um abrigo. Outras vezes eram eles que atentavam contra uma vida para conseguir alimento.
Terremotos e maremotos começaram a acontecer em diversas partes do planeta.
Seria o fim dos tempos?
Até que um dia o acinzentado do céu se tornou tão claro e brilhante que em todo o planeta se pode avistar quatro cavaleiros saídos da luz, montados em corcéis pretos alados, tendo suas roupas alvas como a neve. A população boquiaberta assistia a tudo como que duvidando de sua própria visão.
Soando como um trovão, o primeiro deles falou:
-Eu represento a peste, ou seja, tudo isto de ruim que recaiu sobre o planeta: modificações nas águas , matas, tempo.
Ao que o segundo replicou:
-Eu sou a fome que toma conta de todos vocês, resultado dos transtornos que aí ocorreram.
Disse o terceiro:
-Com todas as dificuldades e num ímpeto para aliviá-las, o resultado só poderia ser a guerra que eu represento. A luta pela sobrevivência, mesmo em troco da vida de semelhantes.
O quarto cavaleiro sombriamente tomou a palavra:
-O resultado de tudo isto só pode ser a morte, o meu símbolo. Morrem os animais, o ser humano, os vegetais. Enfim desmorona a natureza.
Quando terminaram de discursar, ergueram suas mãos e delas se desprenderam raios de luz que atingiam toda a terra revertendo suas misérias. As matas se tornaram novamente uma fonte de vida com suas árvores verdes e frutíferas para os animais que retornavam.
Os rios se movimentaram oxigenando suas águas e dando vida à população aquática.
Os mares se acalmaram e ao céu retornou o tem azulado e claro.
A lua reapareceu na noite pontilhada de estrelas.
Dia e noite voltaram ao normal.
Mais uma vez a voz retumbante dos cavaleiros foi ouvida:
-Habitantes do planeta terra, vocês estão tendo uma nova oportunidade de vida. Conscientizem-se cuidando melhor da natureza. Utilizem-se dela , mas conservem-a para que tamanha catástrofe não volte a acontecer.
Aos poucos, como se fossem feitos de fumaça, eles foram desaparecendo devagar e se misturaram às nuvens fofas do céu.
Aprendemos a lição?
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