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TEXTOS VENCEDORES II CONC. EROTISMO EM RIJAS ASAS
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TEXTOS VENCEDORES II CONC. EROTISMO EM RIJAS ASAS

 QUADRO DE MEDALHAS

 

 

NA CATEGORIA “POESIA”

 

MEDALHA DE OURO: LUIZ HENRIQUE MIGNONE (MIMOSO DO SUL – ES) – Sinfonia do amor

 

Sinfonia do Amor

 

 

Por vezes te vejo como orquestra e eu, maestro,

A conduzir-te, em busca da maviosa sinfonia,

Nos detalhes deste corpo que acaricio ambidestro,

Atento a ti, a teus solfejos, em perfeita harmonia.

Se de teus lábios que beijo como bocal trompete,

E deles extraio doces murmúrios em noturno,

Sopro teus mamilos, como se flauta, e me arremetes

E os tomo em meus lábios como se sax soturno.

Deslizo pelo teclado de tuas coxas, como piano,

Acariciando suave tua penugem, como se harpa,

Extasiado com o acorde de boleros Ravelianos,

Em gemidos e balbucios que de tua alma escapa.

Toco teus pelos como se cordas de Stradivarius,

Detido em teu grelo, atento à címbalea suavidade,

Extraindo o néctar de teus acordes anseios vários,

Por momentos fugazes vividos como eternidade.

 

Até então eu te conduzo, assim, passo a passo,

Mesmo que em êxtase, sem nunca perder o nexo,

Até teu coração, como surdo, perder o compasso,

Arrítmico, ao beijar o claríneo bocal de teu sexo.

E se tomas sôfrega em tuas mãos minha batuta

Mágica flauta, gaita, trompete, sax em tua boca,

Não mais maestro, sou instrumento sem labuta,

Acorde contigo nesta uníssona sinfonia louca.

Somos agora, simultâneos, maestros, instrumentos,

Somos músicos, sintonia, somos música estelar,

Que nem Bach, Chopin ou Mozart, por momento,

Mesmo de inspiração suprema ousou sonhar.

Compassos plácidos, ora suaves, ora revoltos,

E, “gran finale”, após instantes de marasmo,

Nossos corpos frementes, trementes, envoltos

Em música celestial, explodem em uno orgasmo.

 

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MEDALHA DE PRATA: AMALRI NASCIMENTO (RIO DE JANEIRO – RJ) – Gozando versos   

 

 

Gozando versos

 

 

Com dedos ávidos exploro relevos nus a procura de oásis deleitosos

Intumescendo mamilos e falo!        

A cada crista surfo dunas de perfeitas curvas

Qual crina aos ventos ejaculo sentimentos

Válvulas e poros exalando lascívia na frouxidão de orgasmos!

Sentindo na pele o açoite de uivantes ventos deslizo suave o deserto ventre

Bocas afoitas sorvem néctares quentes...

Aflorando prazeres contidos d’alma ardente em frêmitos espasmos assomo meus delírios

Sem medo libertam-se os espíritos

e na languidez de olhares cruzados colho todos os versos no gozo derramados

 

 

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MEDALHA DE BRONZE: MESSODY RAMIRO BENOLIEL (RIO DE JANEIRO – RJ) – Naquele motel...

 

 

Naquele  Motel...

 

 

Naquele motel já éramos antigos

e, de amores alí vividos, restavam

forças  para prosseguir...

 

Após noitadas festivas, nossos corpos

suados e satisfeitos, roçavam nas colchas

umedecidas  de prazer.

 

Naquele motel descobri não só meu corpo,

mas parte de minha alma alí ficava...

Pensamentos eram sonhos impossíveis,

encontros fortuitos, imprevisíveis ,

marcaram com tinta inapagável os lençóis

daquelas camas, onde o prazer residia.

 

Bons tempos se foram, mas soubemos

também  saborear os silêncios

presentes, após os  momentos eróticos

e que  diziam bem mais que as palavras...

 

 

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TAMBÉM MEDALHA DE BRONZE -  AGLAÉ TORRES (SÃO PAULO - SP) - Mosaico

 

 

MOSAICO

 

 

Quero me perder em teus ângulos

enovelado em teus braços

na procura do raio perfeito

no círculo dos teus abraços

Quero juntar meus teus triângulos

nas gravuras mutáveis desenhadas

em movimentos de teu corpo

cruzando-nos em linhas sinuosas

Quero fundir convexo côncavo

criando no balanço dos corpos

a dança dos trapézios

Quero me abismar em tuas crateras

e na hipérbole de teus seios

em espirais de prazer.

 

 

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NA CATEGORIA “PROSA”

 

 

MEDALHA DE OURO: NEGE ALÉM (INDAIATUBA – SP) – Os avalistas idôneos

 

 

OS AVALISTAS IDÔNEOS

 

Nege Além

 

Logo no início do expediente bancário, bela e esbelta jovem aproximou-se do guarda:

--- Por favor, onde fica a gerência?

O guarda desdobrou-se em cortesias. A fala macia:

--- Pois não. Pois não, minha senhora. Primeiro andar. Basta subir a escada.

--- O Gerente já chegou?

--- Sim, está em sua sala.

--- Obrigada.

Ali mesmo no saguão, a jovem retirou o capote. A minissaia justa. O decote ousado. Quase tudo à mostra, de cima e de baixo. A Agência entrou a flutuar, inebriada com o forte perfume que envolveu o ambiente. O tique-taque das máquinas de escrever emudeceu. Até os mais velhos funcionários, os com os pés na cova, no momento ressuscitados, não resistiram à tentação de procurar um jeito de aproximar-se do balcão, para acompanhar aquele meio palmo de saia rebolando-se graciosamente degraus acima. Naquele momento, qualquer moleque até armado de estilingue teria condições de assaltar o Banco, sem que o apalermado guarda ou o caixa tivessem condições de mover-se.

Gerente de Banco nem sempre se pode dar ao luxo de gozar alguns minutos de recolhimento e paz. Onde quer que esteja, vê-se rodeado de bajuladores, que surgem como enxames, com as mais disparatadas propostas de negócio. Entretanto, naquele momento estava só, talvez por ser início de expediente. Acabava de ler uma dezena de instruções que chegara no malote da manhã. Mal levantou a cabeça, os olhos ardendo da leitura foram pousar justamente na minissaia que acabava de entrar pela porta da gerência.

--- Com licença, Sr. Gerente. Com licença.

A jovem foi entrando na sala. O Gerente não viu o rosto, só o que a minissaia não cobria, e a imaginação descobria. Os olhos não podiam encontrar sítio mais aprazível e ali pousaram esquecidos. Não era nenhuma visão, era real, mais de carne que de osso. Acostumado a lidar com sitiantes, de mãos calosas e suadas, que lhe iam chorar a situação de penúria, nunca pôde imaginar que um dia transpusesse os portais da gerência uma cliente daquela envergadura. E que envergadura! Talvez fosse alguma vendedora de cosméticos, ou representante de entidades beneficentes que, logo saem a serviço, lembram-se de visitar os gerentes de Banco. É voz corrente que são eles os donos do dinheiro dos cofres e podem dispor dele a seu bel-prazer. A jovem não trazia nenhuma pasta volumosa, apenas uma bolsinha, talvez para os petrechos de maquilagem.

Passados os minutos de perturbação, o Gerente tentou atendê-la como a uma nova cliente, mas isso não foi tão fácil. Sentia a voz fraca, sem condições de perguntar-lhe o que desejava. Afinal, ele, o Sr. Gerente, a maior autoridade da Agência, respeitado na cidade, não poderia capitular diante de uma cliente, embora possuidora de tão rico patrimônio escultural e sedutor. Não sabia como proceder. Mandá-la sair, só por estar quase nua?! Uma falta de habilidade e educação. O regulamento do Banco, farto em minúcias, era omisso nesse particular. Exigia, sim, que os funcionários se apresentassem ao trabalho decentemente trajados, não os clientes e muito menos as jovens e belas clientes.

O  Gerente indicou-lhe uma poltrona.

--- Obrigada. É o Sr. Pimenta, o Gerente?

--- Sim, minha senhora. Doutor Pimenta soa bem melhor em meus ouvidos.

--- Meu nome é Marina de Oliveira. Antes de enviuvar, tinha um Lima no final ...

--- Muito prazer, D. Marina, cumprimentou-a o Dr. Pimenta, estendendo-lhe a mão ainda trêmula.

Marina acomodou-se na poltrona. Cruzou as pernas com naturalidade, como se estivesse sozinha em casa. Os olhos inquietos do Dr. Pimenta buscaram uma fuga. Ora se fixavam na porta, ora no teto, ora nos papéis sobre a mesa, em qualquer parte, menos na cliente, que forçava já de início apresentar-lhe algumas de suas credenciais. Marina pôs um cigarro na boca. O Dr. Pimenta pensou em ser cavalheiro e acendê-lo. Todo perturbado, nem se lembrava de onde havia deixado o isqueiro, nem mesmo se possuía algum. Em vão ela esperou com o cigarro na boca, balançando-o com os lábios para baixo e para cima. Por fim, ela mesma o acendeu com o minúsculo isqueiro dourado que retirou da bolsinha.

--- Parece-me que o Doutor não fuma, não é?

--- Exatamente. Já fumei demais.

--- Pois, devia voltar a fumar.

---- O cigarro hoje não me faz falta. Tenho vivido muito bem, longe dele.

--- Acho tão charmoso o homem que fuma, ainda mais quando exerce cargo importante como o seu...

--- Realmente, sinto-me orgulhoso de meu cargo, disse o Dr. Pimenta, cheio de vaidade.

--- É para sentir mesmo. Tão moço ainda. Pensei encontrar um velho gagá. Para mim, gerentes de Banco são mais importantes que Prefeitos ou Juizes de Direito. O Doutor se incomoda se eu fumar outro cigarro? Deve ser horrível para quem não fuma ter de suportar o cheiro, não?

--- Esteja à vontade, D. Marina.

Marina acendeu outro cigarro.

Os passos dos Chefes costumam ser policiados. Nada tão empolgante para os subordinados como fofocar os seus deslizes em negócios, ou as aventuras com algum rabo-de-saia. Os dois estavam sozinhos, fechados no gabinete, isolados do resto dos funcionários que, àquela hora, impassíveis, cochichavam e se atropelavam para saber o que estava ocorrendo lá dentro.

A jovem fumava com prazer. Os olhos acompanhavam os rolos de fumaça que soprava em direção ao teto. Depois, esmagou a ponta do cigarro no cinzeiro. Abriu a bolsinha, retirou o batom e retocou os lábios.

--- Perdi o marido há pouco mais de um mês. As despesas imprevistas aparecem aos montes. O Doutor nem pode imaginar como tudo se complicou para uma viúva jovem, sem dinheiro e inexperiente em negócios. Vou ter de esperar meses para receber a pensão e o pequeno seguro. Até lá, não sei como arranjar-me. Só assaltando um Banco, concluiu ela, elevando a voz.

Marina cruzou as pernas. A minissaia subiu mais um pouquinho. Não, ela não tem cara de assaltante. Tem pernas muito bonitas, isso tem. Ninguém traz na testa o registro de suas intenções. Também pode ser uma vigarista, com o comparsa esperando o momento de agir... Levantou-se, chegou à porta, abriu-a com cuidado, espiou lá fora. Tudo normal. Ninguém suspeito. Lentamente, sem que a mulher percebesse, trancou a porta a chave.

--- A senhora disse que é viúva ...

--- Exatamente. Trouxe comigo uma certidão.

Marina endireitou-se na poltrona. O Dr. Pimenta meteu os olhos na bolsinha que ela ia abrir, ainda amedrontado. Talvez retirasse uma arma. Viu-a remexer lá dentro e apanhar um papel dobrado.

--- Aqui está a certidão.

O Dr. Pimenta examinou-a, mal entendendo o que lia, com os olhos ora no papel ora na cliente.  Leu mais uma vez. Parecia documento autêntico. Aquietou-se. Pelo menos, era viúva recente e acabava de prová-lo.

Marina acendeu outro cigarro e continuou:

--- Sabe, Doutor, sinto-me humilhada com a momentânea apertura financeira. Se soubesse quanta vergonha tenho sentido... Sem o marido, que cuidava dos negócios da casa, não encontro saída senão vir atrás do maldito dinheiro. O Doutor deve ter notado como venho fazendo rodeios para chegar à humilhação de pedir-lhe pequeno empréstimo...

--- Sim, sim percebi. Mas, se o dinheiro é maldito, por que a senhora o procura? --gracejou o Gerente.

--- O Doutor tem razão. Maldito, sim, mas indispensável. Agora eu preciso dele para acudir a urgentes despesas e calar a boca de credores menos tolerantes. Não é muito. Dez mil reais bastariam para resolver  meus problemas.

Marina tragava e soprava a fumaça sem parar, aguardando apreensiva uma resposta. O Dr. Pimenta se descontraíra. Agora sabia as razões que levaram aquela mulher a procurá-lo. Dez mil reais era uma ninharia para ele, acostumado a deferir empréstimos de milhões. Havia, porém, o regulamento do Banco, as exigências de reciprocidade em depósitos, a ficha cadastral atualizada e sem restrições para apurar as solvabilidades do cliente. Ainda que fosse uma irrisória importância, não podia entregá-la de mão beijada a qualquer cliente, mesmo que fosse tão especial como a D. Marina.

--- Apesar de o empréstimo pleiteado não ser dos grandes, D. Marina, não encontra amparo em nossos regulamentos, uma vez que a senhora nem ao menos possui conta de depósitos conosco...

--- Conta de depósitos? Isso é fácil. Posso abrir uma agorinha mesmo e prometo fazer bom movimento.

--- Gostaria muito de poder ajudá-la... Bem, a senhora me pode indicar dois avalistas idôneos? Quem sabe se apenas com eles eu possa dispensar algumas exigências.

--- Dois avalistas idôneos, Dr. Pimenta! --exclamou ela, um tanto decepcionada. Sou nova na cidade, conheço pouca gente. Quem sabe o Doutor poderia também dispensar os avalistas...

--- Acho impossível. Como a senhora não possui bens imóveis para oferecer, toda garantia da operação vai repousar na idoneidade dos avalistas. Com dois idôneos, creio que posso deferir o empréstimo.

--- Entendo. Entendo. Mas onde vou conseguir esses dois avalistas idôneos?  Meu marido foi transferido para cá e morreu logo. Se eu estivesse em minha cidade, tão longe daqui, onde sou conhecida e tenho amigos influentes, talvez nem precisasse de procurar Bancos.

O diálogo parecia ter chegado ao fim. O Dr. Pimenta esperava-a levantar-se e sair. Marina, porém, ainda não considerava perdida a batalha. Tinha secretas armas infalíveis para subjugar o potente inimigo. Ligeiro sorriso desanuviou-lhe o semblante até então apreensivo. Cruzou as pernas em câmara lenta, para que os gulosos olhos do Gerente, há muito hipnotizados por elas, tivessem tempo de filmar os pormenores da tão idílica paisagem. Levantando-se em seguida, debruçou-se sobre a mesa da gerência, a alguns centímetros em frente do Dr. Pimenta. Com movimentos lascivos e sorriso nos olhos, foi deslaçando o cordão de seda que fechava a blusinha. Os seios volumosos e rijos, libertos da clausura que mal os conseguia manter, saltaram fora do decote. Apontando para eles, em tom inocente, Marina lamuriou:

--- Pobre de mim! Só tenho estes dois avalistas para oferecer... O Doutor pode manuseá-los à vontade e dizer se são idôneos e os aceita  como garantia do empréstimo.

 

 

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MEDALHA DE PRATA: MARIA LUIZA VARGAS RAMOS (FLORIANÓPOLIS – SC) – A gula

 

A GULA

“Do latim gula é o desejo insaciável em geral por comida, bebida, estando também relacionado ao egoísmo humano: querer ter sempre mais e mais, não se contentando com o que já tem; uma forma de cobiça. Ela seria controlada pelo uso da virtude da temperança. Para algumas denominações cristãs, é considerado um dos sete pecados capitais. Entretanto, a gula não é considerada um pecado universalmente; dependendo da cultura, ela pode ser vista como um sinal de status.”

Aprendera que quase tudo era relativo e que até a verdade adquiria diferentes faces em outros contextos. Seu apetite voraz pela vida, pelos temperos e pelos homens a uns soaria como pecado, a outros como virtude. E dava de ombros.

Longe ia o tempo em que pulava da cama mal o sol trespassava sua cortina, tomava um café apressado e corria para o trabalho. Tão longe que  parecia pertencer a outra pessoa, não a ela.

Hoje, a alvorada apenas sinalizava que deveria morder aquelas frutas perfumadas da bandeja ao lado e dividir seu sumo com aquela boca apetitosa que se enroscava em seu travesseiro. Depois disso, invadia o pecado da luxúria sem restrições até cair para o lado, exausta, com aquele sorriso malemolente de quem revisitou o paraíso e voltou de lá com uma fome de leoa.

Com as mãos cheias de brioches corria descalça e nua até a cozinha, onde preparava um banquete com muitos ovos e potes de mingau de aveia rescendendo a canela. Fartava-se lentamente, equilibrando a bandeja nas coxas roliças e devorando cada bocado diante dos olhos gulosos do parceiro. Uma orgia de mordidas, beijos, aromas e fluidos. Insaciáveis os dois!

Muito, mas muito tempo depois, com a alma e o estômago exauridos, mergulhavam os dois na banheira de espuma, cercados por nozes, castanhas, avelãs, amêndoas e taças de vinho borbulhante. Os sussurros, as massagens, os olhares de ressaca faziam do banho um processo longo e delicioso, difícil de terminar.

Toalhas felpudas, roupões macios, cabelos molhados e o perfume da paleta de cordeiro assando lentamente no molho de hortelã. Batatas douradas deslizando na alcaparra, tomates recheados, torradas embebidas em puro azeite, tudo indicava mais uma festa para o olfato e o paladar. Fartaram-se.

Mãos deslizantes dos nacos de carne colados ao osso, bocas úmidas dos temperos e a cobiça retornando, avassaladora. O tapete convidativo, as almofadas jogadas, os cintos se soltando, os seios pulando livres para fora do roupão e, mais uma vez, os corpos gulosos se saborearam.

O fogo crepitando na lareira embalando o sono e o cheiro dos pães e bolos assando a despertá-los. Grossas fatias de pão quente inundadas de geléia, a manteiga derretendo e adentrando a massa, enchendo-a de sabor, o mel puro escorrendo nos cantos da boca e o chocolate quente fumegando nas grossas canecas de porcelana.

Troca de sabores, de mordidas, de temperos, de fluidos. O cheiro úmido e quente dos corpos inundando a sala e uma fome que não sacia, um desejo implacável de querer sempre mais e mais.

A noite vai se aproximando das janelas semi-abertas, o vento frio enrijece os troncos desnudos, arrepiando os pêlos e a pele, impulsionando ao abraço. Fome. De comida, de vida, de tudo.

Os aspargos borbulhantes no creme encorpado, toques de noz moscada boiando nos cantos do caldeirão. O queijo derretido envolvendo a massa, apossando-se dela, misturando-se definitivamente ao seu sabor delicado. Grossos bifes estalando na frigideira e liberando um sumo dourado, que escorre na boca a cada mordida. Línguas lambendo queixos, olhares mortiços, de pleno gozo com a refeição e com o que estava por vir, estômagos saciados, languidamente entregues na cama monumental. Mãos que se procuram, sem abrir os olhos.

Como se mastigassem ainda o bife macio, aos poucos se entregam mais uma vez aos pecados da luxúria, tão próximos da gula que chegam a se confundir com ela.

O dia termina, restam poucas horas, tempo suficiente para uma imersão total naquela montanha de chocolate, de onde sobressaem vermelhos morangos e tenras uvas, embebidos em Amarula e salteados com cálices de licor de anis.

Refeitos, eles se olham, besuntam-se fartamente no chocolate que restou e se deliciam com cada milímetro de pele adocicada. Como náufragos, agarram-se sofregamente um ao outro, temendo perder qualquer partícula de prazer e de comida e se fundem num só corpo, voraz e saciado.

Satisfeita? Só por hoje. Amanhã terá mais, talvez melhor, em outra companhia. Não seria pecado se tivesse limites e ela, agora, vivia para pecar.

Meia noite. O dia termina. A gula entra em recesso, até que, pela cortina, filtre-se o primeiro raio de sol.

 

CHARLOTTE

 

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MEDALHA BRONZE: TÂNIA DINIZ (BELO HORIZONTE – MG) - Requinte

 

Requinte

 

Sentia-se inspirado esta noite. Aprontou-se com apuro. O espelho devolveu-lhe a imagem perfeita em black-tie. Com um sorriso sensual, passou a mão pelos cabelos e, cantarolando, desceu as escadarias.

O imenso salão do castelo estava primorosamente arranjado, com flores e velas entre fugazes cortinas e espessos tapetes. A grande mesa ao centro, bem preparada.

Deixou a rubra taça sobre o aparador. Um gole lhe bastava.

Sentou-se no único lugar, a ele destinado, bem em frente à imensa salva de prata ao centro da mesa. E, ajeitando o guardanapo de linho branco, com elegante gesto, destampou-a.

Delicioso aroma flamejou-lhe as narinas. Maravilhou-se com o refinamento do cardápio. Entre perfeitas cerejas, cachos de uva, alguns dourados pêssegos afundados em ninhos de fios de ovos e salpicados fígados de pombos, estava a mais delicada iguaria que já lhe fora servida: esplêndida mulher jazia em repouso, apenas coberta a pele de marfim por seus cabelos de ébano.

Educadamente, secou os lábios de vinho e iniciou o ritual do banquete.

Com sábias mãos, percorreu o macio corpo, sentindo que seu calor atingia, assim, quase a elevada temperatura desejável. Envolveu os seios com mãos conhecedoras. Não resistiu, fugiu a todas as regras de etiqueta: provou-os com leves mordidas. E como a carnuda boca o tentasse também, lambeu-a e explorou-a por dentro.

Ao discreto pigarrear do mordomo que entrava, caiu em si. E, de faces coradas pelo deslize, ou talvez, pelo apetite, com finos gestos, tomou dos talheres de prata.

Abriu-lhe delicadamente o peito e devorou-lhe o coração, com tanta elegância, que sequer um pingo de sangue lhe comprometeu a bem aparada barba azul.

 

 

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NA CATEGORIA “PROSA POÉTICA”

 

MEDALHA DE OURO: AGLAÉ TORRES (SÃO PAULO - SP) - Você

 

VOCÊICANTANDO DESEJO E POSSE

 

Desejos na madrugada. Emoção maior além da voz cantando desejo e posse, palavras despejam paixão. Madrugada recebe vozes, suspiros, promessas, tesão. Solto no ar um beijo. Desejo louco de explorar contornos, desvãos, no desespero de anular distância, separando amantes em Êxtase. Bocas se unindo! Numa réstia de luz...Você! Corpo de noite sem estrelas gotejado de luar.     Nas saliências extasiantes em repouso mãos de                                                                                                                            lua deslizam carícias suaves.  O prazer descansa sua conquista.

 

I ISAUDADE

 

A saudade de você fervendo...Tira a fala.  Espanta o ar. Traz garoa aos olhos. Devolve seu cheiro, suas mãos, sua boca...  Aviva a recordação de sons e imagens gravados a brasa no fundo de mim sob minha pele.          Nas dobras do tempo eu perdi você embrulhado em espera na visão em névoa envolto na bruma-saudade.Na cápsula do Tempo eu guardei você. Uma vivência. Uma saudade. Um amor explodindo desejo em espera para se eternizar e perdido na finitude.                                        

 

 

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MEDALHA DE PRATA: ROSELI HÜBLER (PORTO ALEGRE – RS) – Sedução no primeiro olhar

 

 

Sedução no primeiro olhar

À vista do horizonte, toda a paisagem está avermelhada com fortes tons em laranja e amarelo. É o pôr do sol que a deixa nesses tons tão belos. O ar está seco, aliás, como sempre. O silêncio toma conta de toda a região. A sua frente, o deserto se apresenta majestoso, absoluto. E sobre o monte mais alto do lugar, Halkiabara assistia o entardecer com imensa tristeza em seus olhos, mesmo diante de paisagem tão perfeita e tranquila. Os únicos momentos de liberdade que sentia era naquele lugar que se tornava mágico ao seu olhar. Após os primeiros segundos, começou a olhar para frente com firmeza, determinação e somente então se sentia plena. No entanto, seu semblante continuava triste, pois sabia que o sentimento de poder decidir ou agir existia apenas dentro de si; pertencia-lhe, mas apenas em sua imaginação. Esta percepção tomava conta de toda a sua alma e somente naquele momento do dia se sentia livre como os pássaros que conhecia. Então num repente, abriu seus braços como que querendo abraçar todo o ar que preenchia o ambiente e olhou para cima ajoelhando-se sobre um singelo tapete e fez uma Salat a Deus em voz alta e robusta quebrando o silencio que dominava o lugar:

- La ilaha illa Allah wa la na'budu illa iyyah - (Não há outra divindade além de Deus. Nós não adoraremos ninguém além d'Ele). - Mukhlicina Lahuddina walaw kariha al mushrikun - (Serei sincera em minha religião para com Ele, por mais que os inimigos se oponham a mim).

Esta confissão de fé foi sincera e emergiu do âmago de seu ser. Foi dita com fervor; seu tom de voz, alto e desafiador, inspiraria pavor no coração de qualquer um que ali estivesse, entretanto, também poderia enternecer aqueles mesmos corações e os fazer concordar com ela.

Após a prece, seu semblante suavizou-se, tornando-se mais tranquilo. Era naquele momento que se enchia de forças para prosseguir sua sina. Ainda ficou por algum tempo na mesma posição.  Suas roupas já esvoaçavam pela leve brisa que se iniciava. Por este fato, pressentiu que chegara a hora de voltar para o acampamento reassumindo suas atividades do entardecer. Respirou profundamente, olhou para o chão como a mostrar que entendia sua condição de serva de Salah Yusuf. Então uma lágrima rolou em seu rosto impedindo-a de ver, que lá embaixo, alguém a observava com imensa atenção. Assim, conformada com a sua situação, iniciou o retorno pelo mesmo caminho que chegara até ali. A descida era íngreme e cheia de pedras soltas que se mostravam obstáculos perigosos. Com todo o cuidado, seguiu o trajeto que já havia percorrido por várias vezes, desde que ali haviam se instalado. Logo encontrou o rebanho de ovelhas que todas as tardes recolhia e levava para mais perto de onde estavam provisoriamente.

Halkiabara não era uma mulher vistosa, no entanto, sua estatura era mais alta do que a maioria das mulheres de sua tribo. Como todos os criados também usava sapatos feitos de pele de camelo que cobriam seus pés. Sua calça era larga e muito clara e sobre ela um vestido em tom esverdeado; na cabeça, um lenço igualmente verde, no entanto era brilhante, pois era todo bordado com pequenas pedras que reluziam como a constatar com as cores do entardecer. Seu rosto estava à vista e completamente livre de qualquer pano que pudesse escondê-lo, entretanto, ao se aproximar do acampamento cobriu-o com o lenço colorido.

- Chegou tarde hoje - disse-lhe Akiaba, sua mãe, ao vê-la.

- Distraí-me com as ovelhas - respondeu sem emoção. Após acomodar os animais, Halkiabara entrou em sua tenda. Ali permanecia juntamente com sua mãe e mais duas criadas. Para finalizar as tarefas do dia ainda precisava servir alimentos para o rico comerciante Salah Yusuf a quem prestava serviços, e para isso, precisava banhar-se e vestir-se adequadamente. O lugar era extremamente simples. Ali existia apenas um lugar para dormirem e para guardarem seus poucos pertences. Arrumou-se rapidamente e seguiu para a tenda principal. Esta sim era uma tenda que proporcionava ao seu habitante todo o conforto de que necessitasse. Era espaçosa e mais alta que as demais, por isso, mais agradável durante o dia. Era forrada com tapetes de todas as cores e desenhos trazidos de Meca e de Damasco; havia ainda grandes lustres pendentes; almofadas por todos os lados e ao fundo, um pouco escondido, uma espécie de quarto que servia para o comerciante dormir. Ao servir seu Senhor, que conversava com um homem estranho, logo soube que também era um próspero negociante. Os dois falavam sobre religião:

- Não! - dizia veementemente Salah Yusuf para o seu hóspede.

- O Islã e o Cristianismo têm a mesma origem, juntamente com o Judaísmo, eles remontam ao Profeta e Patriarca Abraão. Seus três profetas são descendentes diretos de seus filhos – Mohammad descende do primogênito Ismael, enquanto que Moisés e Jesus descendem de Isaac. Mas foi somente aos quarenta anos de idade, em um retiro de meditação, que Mohammad recebeu sua primeira revelação de Deus por intermédio do anjo Gabriel. E foi daí, desta revelação e das seguintes que surgiu o Alcorão.

- Isto sim, isto é verdadeiro. - concordou Salah - Mas não é sobre religião que vim até aqui.

- É sobre o quê então, meu amigo? – perguntou Yusuf.

- É sobre Jerusalém. Soube por fonte segura que Saladino capturou a maior parte do reino de Jerusalém.

- Sua notícia já é velha, meu amigo. A coisa foi mais além. Chegou ao meu conhecimento que, em quatro de julho, Saladino exterminou o exército combinado de Raimundo III de Trípoli, o conhecido Guy de Lusignan e o Rei Consorte de Jerusalém. Já pensou nisto? Acabou com todos - parou de falar, deu mais uma tragada no narguile e fez suspense.

- Continue, continue - disse o amigo.

- Calma. Temos tempo. Fume o narguile. Temos tempo... – e depois prosseguiu:

- Para os Cruzados foi um desastre completo. Todos os militares foram decapitados. Foram mais ou menos dois mil homens. O único que não foi morto foi o Guy de Lusignan e não sei o porquê. Mas uma coisa eu fiquei impressionado. Silenciou por um pouco e continuou: Saladino após um cerco de vários dias, tomou Jerusalém em outubro. Este dia vai ficar na história da Arábia. Pode acreditar. Dois de outubro de mil cento e oitenta e sete. Já pensou daqui a alguns anos? Vai virar lenda.  Ele conseguiu derrubar parte do muro que cercava a cidade e não é que o chefão dos cruzados Balian de Ibelin ameaçou matar todos os muçulmanos da cidade se ele não lhe desse anistia? E olha que tinha muitos lá dentro; dizem que cerca de quatro mil entre homens, mulheres, crianças e velhos. E mais: que não deixariam nenhum templo sagrado do Islã na Cúpula da Rocha. Mas o que me impressionou foi o completo contraste com a conquista da cidade pelos cristãos, vários anos antes, quando o sangue correu livremente durante o massacre bárbaro contra todos feito pelas Cruzadas. A reconquista pela nossa gente foi marcada por um comportamento civilizado e cortês do Sultão Saladino e seus soldados. Todos os que quiseram, puderam sair dali e seguirem seu caminho e tudo mais... E foi aí que eu fiquei mais surpreso ainda: Saladino permitiu que praticantes de outras duas religiões que ali mantinham seus templos permanecessem: os cristãos e os judaicos.

Halkiabara ouviu que as guerras com todas as suas atrocidades continuavam a acontecer. Escutou também que a tribo do Sheik Heliske estava assaltando os viajantes por aqueles lados. Quando terminou seu serviço, voltou para a sua tenda e contou o que havia ouvido. Neste momento, Umaiya, outra serva, olhou-a fixamente nos olhos e profetizou: Tu serás a senhora de tua mãe. Está escrito. E assim será.

- O que disse? Como assim? Serei a senhora de minha mãe?

Umaiya ainda a estava fixando nos olhos quando sentiu leve tontura.

- O que aconteceu? - perguntou nervosamente.

- Dissestes-me que serei senhora de minha mãe. O quê quer dizer com isso?

- Não sei. Nem me lembro de ter dito isto. Por Allah! Não me lembro de nada – e colocou as mãos na cabeça demonstrando nervosismo.

- Não se preocupe, minha amiga. Não tem mesmo sentido o que me falou.

- Mas não precisa ser estúpida comigo. Eu não sei o que me aconteceu. É como se outra pessoa utilizasse a minha boca para falar. O que será isto? Neste momento chega a mãe de Halkiabara e diz rispidamente: - Parem com isso, já! Vamos dormir, pois amanhã teremos muito trabalho.

Mesmo não acreditando no que dissera Umaiya, naquela noite, Halkiabara não dormiu muito bem: pesadelos, coisas que não entendia, visões estranhas e de outros lugares que não conhecia. Neste momento, acorda assustada. Já era quase de manhã, quando grande alvoroço ouviu-se. Barulhos de tiros, de palavrões. Halkiabara espiou e imaginou que estavam sendo atacados pela tribo que o seu senhor havia mencionado.

- Por Allah! Que nada nos aconteça. Allah nos proteja! Neste momento, um homem entra bruscamente em sua tenda, agarra-a pela cintura e a carrega para fora. Sua mãe e as outras servas foram empurradas e jogadas aos pés de um cavaleiro vestido todo de negro. Estirada no chão, já diante dele, levantou o olhar e o fixou nos olhos. Ficou assustada com o que viu, pois o ódio que transmitia era aterrador.

- Como te chamas mulher?

- Halkiabara, meu senhor.

- Halkiabara? Eu quero o nome verdadeiro - disse demonstrando ódio e rancor nas palavras.

- Mas este é o meu nome verdadeiro senhor - respondeu humildemente desta vez sem olhar para cima.

- Tragam o velho até aqui! De arrasto, trouxeram Salah Yusuf e o jogaram em frente do homem de negro.

- Responda-me velho: qual dessas servas é a tua filha?

- Não tenho filha, senhor. Juro que não tenho filha. Ela morreu quando nasceu.

- Mentes. Diga-me a verdade. Qual delas é a tua filha? Meu pai prometeu-me que tua filha seria minha esposa.

- Mas quem é seu pai? Como ele pode dizer algo assim? Eu nem o conheço - respondeu Salah demonstrando muito medo, pois sabia que era verdade o que aquele desconhecido vinha buscar.

O homem desce sem pressa do cavalo. Dirige-se para Salah. Pega-o pelo cangote e pergunta:

- Não te lembras mais do Sultão Abdulbah? Quando o homem ouviu aquele nome, embranqueceu e quase desmaiou, mas os homens do filho do Sultão o seguraram para não cair.

- Por Allah! Por Allah! Não faça isso! Não a leve! Por Allah! Não a leve! Repetia desesperadamente. Num repente, deu uma guinada e ajoelhou-se diante de Halkiabara.

- Perdoe-me. Perdoe este pobre velho.

A pobre Halkiabara desesperou-se com tal revelação. Num primeiro momento, ficou atônita, mas pelo que estava entendendo, pensou: “Aquele comerciante próspero e rico era seu pai? Não é possível. Isto não pode ser verdade. Eu sou sua serva desde sempre. Não acredito.” E disse em alto e bom tom: - Eu sou serva deste homem. Não sou sua filha. Este homem não tem família. - gritava desesperadamente.

- Lamento se ele nunca te contou mulher, mas ele é realmente teu pai. O porquê de ter escondido de você eu não sei, mas sei que ele é teu pai.

- Senhor. Sempre trabalhei, duramente, o dia todo desde que me conheço como gente. Não faz sentido o que ele está dizendo - gritava implorando a negativa do homem. - Não faz sentido eu ser filha dele. Por que faria isto? no desespero, olhou para sua mãe como a lhe perguntar. E esta, envergonhada, baixou a cabeça e ficou fixando a terra e nada disse.

- Eu não sei o que está acontecendo por aqui. Mas meu pai, o Sultão Abdubah, ganhou numa aposta de jogo a primeira filha que esse homem tivesse. Eu, simplesmente, vim buscá-la. E como prêmio extra, levarei todas as outras mulheres que me servirão.

Halkibara ainda tentou dizer que não poderia ser a filha daquele homem. Porém, quando foi ameaçado de decapitação, o velho comerciante apavorou-se e gritou a plenos pulmões:

- Parem! - disse finalmente - Eu confesso. Halkibara, é sim, minha filha; minha filha com a serva Akiaba.

Ao ouvir tal revelação, a já sofrida Halkiabara, estava, simplesmente, tentando pegar na mão daquele homem e pedir por sua vida e das outras, mas quando ouviu a confissão do pai, sentiu um torpor muito forte e caiu desmaiada.

No entanto, aquele homem que, a princípio, fora tão violento, desceu de seu cavalo também preto e agachou-se. Olhando para aquela bela jovem, a pegou no colo, levando-a gentilmente para dentro da luxuosa tenda que servia a seu pai. Ali a tratou com carinho e cuidados. Ficou tentado tirar o lenço que cobria seu rosto.

- Não – pensou - Somente verei este rosto se a dona dele me permitir. E ficou a olhá-la com maior carinho ainda. Quando voltou a si, Halkiabara ainda não conseguia entender o acontecido.

- Onde estou?

- Agora está tudo bem. Não te preocupes. Agora está tudo bem.

- Como assim? Nada está bem. Descubro que trabalhei como serva para o meu próprio pai? Que pai é esse que aposta sua própria filha num jogo de azar? E que mãe eu tive? Silenciou esse tempo todo? Não. Nada está bem - disse Halkiabara ajeitando o véu que estava sobre o rosto.

O homem não a ouvia. Estava extasiado por ver tanta beleza no olhar daquela jovem. E com o olhar lânguido proferiu:

- Teus olhos são belíssimos. Tua voz é encantadora. Posso ver teu rosto? - perguntou Rawaha.

Halkiabara mesmo ainda não sabendo exatamente o que acontecia já havia percebido a força do olhar daquele homem sobre os seus e nunca sentira algo igual. Lembrou-se dos pensamentos que sempre lhe vinham à mente, quando subia no monte ao entardecer e onde podia se imaginar livre, decidir e agir conforme sua vontade. Clamou pela clemência de Allah:

- Allah! Oh, Allah! Mukhlicina Lahuddina walaw kariha al mushrikun. Mukhlicina Lahuddina walaw kariha al mushrikun - repetiu com grande fervor.

“Estranho” - pensou - “Por que essa lembrança agora? Por Allah! Nada faz sentido, nada faz sentido. Penso em liberdade quando sei que serei apenas mais uma serva para este homem”.

Neste momento, Rawaha pergunta novamente:

- Posso ver teu rosto? Sei que não é costume um homem estranho ver o rosto de uma jovem solteira, mas é algo superior a mim. Maior ainda que os princípios de Allah.

De certa forma, Halkiabara ficou enternecida pela súplica e respondeu: - Sim. Poderás ver meu rosto, afinal, agora lhe pertenço.

- Não. Tu não me pertences, pois os teus olhos clamam por liberdade e amor. Não. Tu não me pertences – repetiu, calmamente, como a deixar bem claro a sua intenção.

- Mas eu fui...

- Não. Não fale mais nada. Tudo ficou no passado.  Somente serás minha, se tu assim o quiseres.

Halkiabara não acreditava no que ouvia. “Estarei sonhando? - se perguntou - Por Allah! O que está acontecendo?”

Então Rawaha repetiu: - Não. Não me pertences e não estou te pressionando. Se não quiseres... Baixou a cabeça. E olhando para o nada iniciou a falar: - Conheço-te já há algum tempo. Quando te vi pela primeira vez, no morro Tuake, fazendo oferendas para Allah, eu me apaixonei por ti, a tal ponto, que não podia passar sequer um dia sem vê-la e aprendi a te respeitar. É verdade que meu pai, em um jogo no passado, havia ganhado a filha que o perdedor, grande inimigo seu, apostara. Mas nunca imaginei que poderia ser você, a jovem por quem havia me apaixonado. Somente que se transformara em uma linda jovem. Sempre pensei que fosse simples presa. Também por isso nunca me aproximei de você. Quando te vi sendo serva de teu próprio pai um ódio subiu a minha mente que não consegui controlar. Perdoe-me se a assustei. Mas mesmo sentindo este imenso amor por você jamais a forçaria a qualquer coisa que não quisesse.
Confesso-te mais: deste momento em diante, estás livre para fazeres o que quiser.

- Até sair livre daqui?

- Sim. Já és liberta. Podes ir - disse-lhe apontando a saída da tenda.

- Eu quero a liberdade de ir e vir - disse altivamente Halkiabara.

- E meus pais?- perguntou.

- Estes serão meus servos. Lamento, mas é assim que será.

Halkiabara levantou-se e seguiu até a abertura da tenda. Segurando as amarras com uma das mãos olhou para trás. Rawaha continuava a olhá-la, ansiosamente, esperando uma decisão da mulher amada. Ficaram assim por algum tempo.

Mas em seu interior, Halkiabara estava no liame de uma grande decisão.

- Como aquele homem era galante em seus trajes. Ficou a imaginar como seria seu rosto. Nisso lembrou-se de um sonho onde um cavalheiro todo negro vinha para salvá-la das mãos de terríveis e cruéis salteadores. Na época, nada entendeu, mesmo quando Umaiyha lhe havia dito que seu sonho fora profético. Mas agora... Halkiabara visualizou Umaiyha lhe falando:

“Por Allah! Está acontecendo como em meus sonhos...”

E ainda segurando as amarras da tenda a jovem Halkiabara continuava a olhá-lo. Estava vestido com uma elegante capa negra que lhe dava um ar de mistério. Sentado majestosamente na beirada da cadeira com o assento ovalado, com uma das pernas esticada e a outra encolhida, ele a olhava como a esperar por algo que sabia que nunca aconteceria. Simultaneamente os dois pensavam a mesma coisa.

- Sinto que eu o conheço há muito tempo. O carinho que me demonstra por meio desse olhar enternecido e corajoso ao mesmo tempo. Sei, pressinto que serei feliz ao seu lado, mas não posso! Como ser feliz e ter meus pais como servos? Não. Não posso ceder aos meus desejos - então decidida, soltou as amarras e saiu sem olhar para trás.

A seu turno, Rawaha a olhou partindo. Foi como uma adaga se enfiando em suas entranhas. Sofrido, abaixou a cabeça e ficou olhando para o chão.

“Acabou” – pensou – “perdi a mulher dos meus sonhos”.

Mas a providência de Allah é divina e neste momento ouviu um barulho como o sussurrar do vento e levantou a cabeça. Lá estava Halkiabara a fitá-lo.

Eram duas almas que se encontravam com amor e alegria. Enfim, os dois estavam juntos novamente, eis que já haviam se encontrado em outras épocas, em vidas anteriores.

Suavemente, o agora galante cavalheiro que chegara tão abruptamente e que lhe causara tanto terror, agia com delicadeza e galhardia. Concomitantemente, Halkiabara deu um passo à frente e levantou o braço até a altura de seu véu. Então, olhando firmemente nos olhos escuros de Rawaha ia descobrir o rosto. Foi um momento mágico, um momento único. Neste momento, lhe disse fixando-a profundamente em seus olhos: - Não tire o véu - disse o jovem rápido e fortemente.

Ao falar, levantou-se e foi até ela. E em sentido inverso, Halkiabara corria para ele. Pararam um em frente ao outro, quando Rawaha disse com os braços em sua direção: - Pare - disse firmemente.

- Só por saber que poderia conhecer teu rosto sem imposição da tua parte te digo que, se quiseres, poderei esperar até o momento certo. Mas confesso que já o conheço. Bem, bem de longe é verdade, mas o conheço. Todas as tardes te via a orar com fervor e me apaixonei perdidamente por ti... - Feche os olhos - falou impulsivamente - agora imagine que nos conhecemos, neste exato momento, e estamos os dois sobre a montanha que se tornou nosso lugar muito especial... consegues imaginar?

- Sim - respondeu a jovem - Consigo ver-lhe. Estamos próximos ao lugar onde todas as tardes faço minhas orações. Está subindo para me encontrar. Tem algo nas mãos e está sorrindo para mim. Está chegando mais perto e tira os panos que estão a me cobrir o rosto.

- Pare - disse suavemente Rawaha. - Ainda de olhos fechados. Imagine que estou aos teus pés, de joelhos, com uma bela flor para ofertar-te.

- Sim. Também isto eu posso ver. Vejo-lhe com os olhos da minha alma.

- Agora podes abrir teus olhos.

Mas a jovem ainda permanece mais alguns extasiantes segundos com os olhos fechados, pois antevia a visão e no fundo de sua alma já sabia o que veria. Quando finalmente abre seus olhos, o vê de joelhos a sua frente com uma bela caixinha vermelha ofertando-a:

- Queres ser minha esposa?

- Assim tão de repente? Ainda nem me conhece.

- Foi Allah que providenciou tudo. E tudo que Ele designa quem somos nós para contrariá-lo?

- Tem razão. Quem somos nós para contrariá-lo?

Então, olho nos olhos Rawaha pronuncia docemente, ainda prostrado aos pés da amada:

- Vou contar até três. Se quiseres tiraremos o lenço ao mesmo tempo. Se confiares em mim, é claro.

- Experimente e comece a contar - respondeu Halkiabara desafiadora e ao mesmo tempo com ternura olhando dentro daquele homem.

- Sim. Contarei. Um... dois... três. Neste momento, os dois simultaneamente, descobriam seus rostos dos lenços impostos pela tradição. Os olhares se fortaleceram e um beijo foi inevitável. Beijaram-se com carinho, mas aos poucos, foram se entregando um ao outro e beijaram-se com sofreguidão. Parecia que se esperavam a muito. Após a primeira manifestação, Rawaha lhe perguntou:

- Acreditas em mim?

- Sim. Acredito em você. Não entendo como, mas acredito em você.

Então, de supetão, perguntou novamente:

- Queres ser minha mulher, diante de todos e também de Allah?

- Sim. Principalmente diante de Dele. Mas, e meus pais?

- Teu pai e tua mãe deverão de alguma maneira resgatar o que fizeram você passar. Por isso digo que serão teus servos por... quantos anos você tem?

- Dezesseis anos.

- Então. Eles serão teus servos por este mesmo tempo. Dezesseis anos.

- Como?

- Trate-os como quiseres. Mas serão teus servos e que vivam com o arrependimento em vossos corações e que um dia Allah os perdoe.

Ficaram mais alguns minutos, sentindo seus corações baterem mais forte e saíram da tenda de mãos dadas.

 

MEDALHA DE BRONZE: ALDA FUYOL (NITERÓI - RJ) - Knowledge

 

 

Sob um lençol de cetim

 

Sob um lençol de cetim

perdi minha castidade

de mulher ingênua e doce.

O escarlate se manifestou

como um líquido derramado.

Nunca mais eu fui a mesma.

Passei a ser Alda Fuyol.

 

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