NA CATEGORIA “POESIA”
MEDALHA DE OURO: CARLOS EDUARDO POMPEU (LIMEIRA – SP) – O TRAVESTI
O TRAVESTI
De vestido plissado,
entre rendas e brocados,
segue feliz pela vida
o Travesti,
presa dócil de suas ilusões.
Seu nome de guerra,
Mira,
de finas roupas,
voz gutural quase rouca,
que seu gênero ambíguo,
de equivocada libido,
o transformou em mimoso rapaz.
Seu palco,
as ruas escuras
e os antros mais sórdidos
onde o mal, que o espreita
em cada esquina
dele faz
seu próprio algoz
e vetor.
Mas,
mesmo sabendo
de seu atroz destino,
nada o faz rejeitar
as madrugadas de insana orgia
e, até quando possa,
ira voltar,
sem remorso e sem dilema,
ao mesmo palco
à mesma cena.
DARCY REIS ROSSI (SÃO PAULO – SP) – PRÓLOGO DA QUARTA-FEIRA DE CINZAS
Acendam-se as luzes! Preparem as câmeras! Ação!
E tem início o desfile no carnaval do meu corpo estuante de amor!
No espasmo de minhas sensações hiperestésicas, percorres, nervosamente,
a alegoria de minhas coxas vestidas de serpentina.
Sabes que és a escola campeã! Mesmo sem acordo dos jurados,
mesmo sem aplausos da platéia!
O rufar dos tamborins e das cuícas,faltos de bemóis e sustenidos,
explodem o samba-tema de nossas gôndolas, carregadas de cio.
Um bloco, outro bloco ,um climax, outro climax ,
um furor sobrehumano,um uivo gutural
entre gemidos afogados nos sons de tuas fantasias,
aprofundando-te no meu cofre pubiano.
O desfile avança! Tuas mãos tateiam, experientes,
os recônditos de meu corpo arfante !
Asas negras sobrepoeem-se aos anjos brancos de meus ubres túrgidos,
oscilantes, ante a fúria de teus dragões de fumaça dourada.
Sabes que minhas células íntimas, inundadas pelo jato de teu lança –perfume
revelam-te surpresas ocultas, que te perinestesiam.
Agiganto-me, para que escales, vacilante, tirolesas, dos meus pés à cabeça.
Apequeno-me, ante a majestade do momento genésico
do teu carro alegórico, sobrepondo-se ao meu...
Catadupas de beijos lantejouláteis aderem à minha derme,
como chuva de confete e serpentina multicores.
Colhes estrelas de neon no céu fictício desenhado em meu epitélio,
tostado pelo fulgor e ardência do teu.
Meu corpo em sudorese inicia-te no mistério de organzas e odaliscas
que se escondem em meus cabelos acetinados.
O rufar dos tambores abafa os demais sons, cresce, cresce, cresce a pressão,
numa vulcânica coreografia, até o findardar do teu vício, saciado,
de sambar as notas místicas, residentes no meu corpo de asfalto.
A cerácea máscara veneziana cai, e já não somos anacrônicos mortais,
mas sim, gigantes sencientes.
A arquibancada escuta, silente e deslumbrada o tabucar do samba-enredo do
nosso carnaval.
Eu sou teu desfile burlesco, sou os respingos de purpurina e mel
que te enlouquecem de prazer.
Sou palhaço, pierrô, arlequim e colombina nos teus braços.
O guindaste te transporta ao sétimo céu kundaliano.
Enfeitiço-te rasgando os rituais pagãos, exorcizada das lutero-manias templárias,
das estórias de Baal, Baco ,Sodoma e Babilônia.
Ao findar a dança do acasalamento ,prostrado,
adormeces entre os tentáculos negros de meus cabelos,
certo de que, hoje, é apenas, o primeiro dia,
Mas que, ainda, outros dias virão antes da quarta- feira de cinzas...
REGINALDO COSTA DE ALBUQUERQUE (CAMPO GRANDE – MS) – CASA DE PECADO
Casa de pecado
Deixei a praça quando a noite dava o tom...
Sigo adiante e paro ao portão do sobrado,
ainda conservando o mesmo aspecto bom
dos tempos em que fora a “casa de pecado”.
No jardim pisca ao poste um globo avermelhado,
iluminando o novo endereço em neon...
E a dona sensual do corpo ali mostrado,
só virtualmente. A casa hoje é uma pontocom.
A lua cheia aclara um quarto entreaberto...
E eis que a dama da vez primeira lá me espia:
“Vem garoto!...” Ninguém mais havia por perto...
Um passado feliz volta na trama rubra
de uma hóstia vertical, que então desconhecia.
Tímido, perguntei: – Pecado?... Riu: “Descubra!...”
MEDALHA DE PRATA: FERNANDO BEVILACQUA (RIO DE JANEIRO – RJ) – PRECONCEITOS
PRECONCEITOS
Mulheres putas
Moças valentes
Às vezes cultas
Outras carentes.
Putas mulheres
Sempre comidas
Sem toalha e talheres
No ocaso das vidas.
Riem no leito
Choram em casa
Espremem o peito
Por vida tão rasa.
Amadas poucas são
Entregam seus corpos
Esmagam o coração
Transando com porcos.
Dinheiro recebido
Tem logo função
É para o filho parido
Ou pagar prestação.
Os críticos não sabem
A dor da degradação
E creiam e pasmem
Só querem unção
ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO (LISBOA – PORTUGAL)
I
As raparigas de agora,
Gostam de mostrar o umbigo,
Com a barriguinha de fora,
Adivinha-se o “postigo”…
II
Que os decotes, ora!...,ora!...
Eu já nem sei se é castigo,
Quase a saltarem de fora,
Deixam ver o que eu não digo…
III
E mal chega a primavera,
É vê-las de mini-saia,
Toda a graça então se esmera,
Seja senhora ou catraia…
IV
Chega o calor do verão,
E ei-las…, de perna ao léu!!!,
É uma bela visão ,
De se tirar o chapéu…
V
Ah!... Recato doutros tempos,
Quem te viu e quem te vê,
Bem discretos e atentos,
Esse passado…, cadê?...
VI
Tanto pudor…, para quê?
Só se via os tornozelos…
Ultrapassado?..., é você!!!
Porque eu bem gosto de vê-los…
JOSÉ CARLOS SERUFO (BELO HORIZONTE – MG) - PAIXÃO-LIMITE POR DETRÁS
Jocase
Quero chegar como um sonho laico,
tocar teus lábios de fluído mosaico,
deitar sobre teu dorso ondulante e prosaico,
acariciar tuas costas,
a princípio suave, tal como gostas.
Tocar-te por detrás,
inexprimivelmente
guiado por ferormônios,
liberar instintos naturais, frementes,
cândidos, mas carnais.
Contracenar com tuas curvas nervosas,
e penetrar teu mundo opulento,
e bulinar teu fundo suculento.
Desejo tocar seios, lábios e meios
Trocar leites sob corpos imbricados
Breve agrado de permeio
Num lançar sem cuspir
Num sugar que não suga
Num sentir querer mais.
Hei de vibrar teu ondular lento,
lancetar tua aura adormecida,
arrancando-te um brado quase humano.
-Liberdade de alma fremida
ao final do ato profano.
Exoro. Suporto tudo,
gramo teu relento,
que oscila entre a devassa e a dama
ora santa, ora insana,
e todas as lamúrias de viúva branca.
Aceito jungir sob o ferro e a tranca.
Permito que me tornes prenda,
mas..., não queiras entecer-me.
Viúva-negra!
Não queiras expilar meu dia seguinte!
Preciso espreguiçar o suor da lide...
Teso e em tempo de repeso:
Ao meu amor,
sempre darei o dia seguinte,
desde que as noites sejam extricáveis
e, soberbamente, minhas!
MEDALHA DE BRONZE: FLÁVIA VASCONCELOS DE BRITO (MACAÉ – RJ) - PAIXÃO
Bocas salivam
Gotejam como enxurrada de avidez
Jorro de vontade
Pulsão congestionada
Latejo
Sensação inebriante de fôlego palpitante
Pensamentos dispersos
Embriaguez sóbria
Entorpecente fome e sede
Sedenta de toque
Chupada na língua
Roçar de pelos
Desespero de consumir
O desejo do desejo de possuir
Grito, pele, toque
Sal sol neve mar
Corpo, calor, consumação.
Gemidos sussurrados, instinto, respiração
Notas que ecoam enquanto o som cessa.
Replicam-se
Ensejo do momento ardente
Evidente
Ressurreição
AMALRI NASCIMENTO (RIO DE JANEIRO – RJ) - ECO
Anjo caído?
Não sei
Andarilho idílico?
Talvez
Numa noite calma
Abordou-me de assalto
Desnudo, somente a penumbra o cobria
Afiado no verbo
Salivou-me aspergindo versos...
Atiçava a libido em poesia...
De gingado fácil
Seduziu-me a seguir seus passos
Germinando em mim fluídico interesse
Mescla de prazer e êxtase!
Dançando ao som da flauta que trazia
Sinfonizava afinadas melodias
Verborragia em notas que me aprazia...
Seus lábios ardentes sopravam um hálito quente
Sussurros plenos de lascívia e arroubamento
Preenchiam o ambiente...
Minh’alma embalada com sua música
Porquanto me conduzisse
Volvia suavemente
Ao meu ouvido, voz decidida
Carregada de calmaria persuasiva
Disse que me queria...
Ímpeto de lucidez!
Súbita consciência despertou-me
Trazendo-me a tento
Irrorando dúvidas tal qual sangria:
Enviado de um Deus
Ou sátiro que se atrevia?!
A noite fluía fria e a bruma envolvente
Exalava aroma anestesia
Sons alados ecoavam rasgando o ar silente
Mais que entregues
Dançávamos embevecidos por pura magia
Conquanto suas palavras me possuíssem
Sedução, encantamento, repentina paixão!
Atados em apertos de braços
As espáduas minhas
Suadas e nuas exclamavam arrepios
Aos toques de intumescidos mamilos
Os poros ventrais minavam suaves calafrios...
Não!
Não era anjo caído
Tampouco sátiro atrevido
Eco!
A ninfa castigada por quanto intentasse
Segredar amantes
Transmutada, alada, nua
Em pelo!
Era doce vê-la entregar-se aos meus delírios:
Invadir os meus idílios e
No ato da sedução querente
Encontrar neste peito de afeto latente
Arcanos que ressoassem seus ecos
Meu gozo em versos...
Festim de inspirações prementes...
Anjo caído
Narciso ensimesmado
Morbidamente autoapaixonado
Poluções Flor Lago
Selfie afogado
Dionísio Baco Vinho
Pan Sátiro Flauta
Zeus Ninfas Hera
Traições olimpianas
Castigo da fala
Sussurros...
Gemidos...
Ecos de Eco
Bacanal...
Orgia...
EVOÉ POESIA!
NA CATEGORIA "PROSA"
MEDALHA DE OURO: VERA MARIA DA PENHA (VILA VELHA – ES) - DESASTRE
As vassouras iam e vinham. Uma de lá, outra de cá. Papéis, plásticos, folhas miúdas, copos descartáveis, tudo ia sendo juntado num montinho, junto à calçada para, depois, ser recolhido com a pazinha e colocado no saco plástico destinado ao grande lixão desconhecido. Poeira levantando, sem fúria, no movimento das vassouras.
A menina parou , por instante, a sua vassoura, para ouvir a vizinha que, concentrada em seu serviço, e alheia ao passar das pessoas, cantarolava baixinho uma canção antiga: “ E a fonte a cantar, chuá, chuá! E a água a correr: chuê, chuê!...”
A voz da menina fê-la interromper o canto:
-Meu tio adora quando a Senhora canta.
-Então não vou cantar mais- disse sem parar a varrição. Mas se detendo um pouco:
- Canto só para mim. Para espantar os males, como se diz. E não me chame de Senhora, não gosto. Senhora bota a gente velha. E eu quero parecer sempre jovem.
-Tudo bem. Eu também não gosto de formalidades. Mas tem gente que faz questão. E como A eu desconhecia a sua preferência... Mas pode deixar, de agora em diante você é você.
A vizinha riu. A menina aproveitou a desamarra das formalidades:
-Mas você canta muito bem. Até eu que gosto das músicas modernas paro de vez em quando para ouvir as suas queixas.
-Que queixas?- admirou-se a vizinha madura..
-Queixas de amor. É meu tio quem diz e eu repito.
Dorva fixou a menina, espichando os lábios cerrados como se quisesse sorrir, as mãos segurando o cabo de vassoura sob o queixo.
-Então vou parar com essa mania. Só sei trabalhar, cantando e inda não tinha me dado conta de que alguém pudesse estar me ouvindo.
-Pára não, Dorva, é tão bonito!
Dorva fez um muxoxo e cada uma cuidou de ensacar o lixo juntado.
Dia seguinte lá estavam as vassouras em movimento.
-Dorva, meu tio chega fechar os olhos quando você canta aquela música... aquela que fala da lua branca.
-Diz para ele comprar o CD da Bethânia que ele vai se apaixonar pela voz dela. É ela que canta. Eu só cacarejo.
-Ah! Essa é boa! Você não é galinha, que eu sei. E canta muito bem. Eu gosto muito daquela que diz: ”Onde andará meu amor?...”
-Não sei não, Senhor. – Cantou Dorva de bom humor. E quis saber:
-Quer dizer que você já tem alguém em vista, brincou.
-Mais ou menos, mas minha mãe não pode saber. Ela diz que só depois que eu me formar. Ai! ai! –mexeu os ombros como em dança de rumba . –Formar, nem sei em que.
-Estude, menina, estude, aconselhou a vizinha. - A gente prepara o futuro no presente. Se você tem estudo, pode conseguir um bom emprego. Se não tem, quando envelhecer vai virar fardo para alguém. O futuro é escuro. Com o estudo a gente clareia o caminho e acha luz no fim do túnel. Eu, por exemplo, não tinha nada. Meus pais eram pobres, pobres lá dos cafundós do judas. Plantei milho, feijão, mandioca... mas estudei. Andei muito a pé para estudar, pois queria vencer, ter vida melhor. E olha o que conquistei: minha casa, meu carrinho... faço minhas viagens de vez em quando...
- A Senhora, a senhora não, corrigiu, você. Você teve muitos namorados?-perguntou alheia aos conselhos recebidos.
-Alguns. Mas nenhum preencheu os meus requisitos. Eu queria alguém que me amasse, que me respeitasse, que me tivesse como mulher e amiga... Mas só me apareceram rapazes interessados no que eu ia conquistando com muito sacrifício e garra.
-Mas agora a Senhora... Outra vez: Senhora, não, você. Você está sozinha, e isto não é bom. Não tem nem para quem deixar seus bens quando se for. Que demore muito , é claro. Assim, vamos ouvi-la por muito tempo ainda.
-Não me queixo- disse Dorva movimentando a vassoura. - Quanto aos bens penso fazer testamento mais tarde, quando sentir que a hora se aproxima.
-E quando ficar doente?- provocou a menina.
-Grito para seu tio me levar ao hospital- respondeu rindo. - Agora dá licença que eu tenho mais o que fazer.
Entrou, cantarolando, enquanto passava a chave no portão.
- E ele vai se sentir muito útil! –gritou a menina.
Dias depois a menina fez uma revelação:
-Dorva, sabe da maior? Meu tio disse que se você quisesse ele casaria com você.
-Não sei pra quê. Ele é enfermeiro?
-Enfermeiro nada, Dorva. Que ideia! Meu tio é marinheiro .Quinze dias em terra, quinze no mar. Nem ia dar tempo de vocês brigarem E logo um ia sentir saudade do outro... Dizem que é muito bom viver assim...
-Mesmo assim não ia dar certo. Na minha idade, só se for enfermeiro.
-Mas você não está doente!...
-Mas quando se chega na minha idade a doença aparece de uma hora para outra. Marido, só enfermeiro.
-Bobagem , Dorva, você é forte. Canta o dia todo. Vai custar muito ficar doente.
-Não penso mais nessas coisas não, menina. Meu tempo de fantasia já passou. Agora é cantar, arrumar minha casa e viajar de vez em quando.
Entrou rebolando as nádegas ainda cheias.
Na semana seguinte as vassouras se reencontraram. Zuli riu para Dorva para iniciar conversa.
-Ontem , você quase matou meu tio. Ele disse que sua voz estava muito apaixonada quando você cantava uma canção que diz: “E nunca mais, nunca mais eu vi a pequenina cruz do seu rosário.” Que é rosário, Dorva?
-É um terço grande, três vezes as continhas do terço comum. É por isso que terço é terço, três vezes menos que o rosário.
-Ah! faz de conta que entendi. Outro dia você explica melhor. Agora o que interessa é tentar juntar duas almas separadas: uma que canta e outra que escuta deslumbrada.
-Tem jeito não, menina. Já passei da idade. Estou velha.
-Velha, nada, Dorva. Meu tio diz que você ainda dá um bom caldo.
Dorva pareceu pensar um pouco, o queixo apoiado no cabo da vassoura. Depois fixando a menina, disse:
-Zuli, vamos fazer um negócio. Quando seu tio ficar comentando coisas, diga-lhe que quanto mais eu canto, mais meu intestino se enche de gases. E à noite, quando me deito, os gazes resolvem sair. E é cheiro de gás, mesmo. Só eu aguento. Diga-lhe também que já não posso ter filhos, pois já passei da idade. Para que quer um homem uma mulher velha que já não pode lhe dar filhos ?
Não esperou resposta e entrou. Parecia meio zangada.
Dias depois, a menina puxou conversa:
-Dorva, sabe o que o meu tio disse sobre os gazes?
Não esperou resposta e concluiu o que ia dizendo:
-Que não tem importância. Ele também costuma deixar escapar uns peidinhos. Que isso acontece com todo mundo.
Dorva riu sem mostrar os dentes .
-Seu tio é mesmo uma gracinha! –disse em reprovação.
-E é mesmo, Dorva, você vai gostar . Ele é muito brincalhão. Quando ele chega, mamãe diz: chegou o porcalhão. É por que ele faz muita bagunça...mas também é só mamãe brigar, ele dá seu jeito...
-Tá bom! tá bom!
Meteu a pá com as folhas no cestinho do lixo e entrou. Parecia ter colocado água fria sobre o fogo.
Mas quem resiste a um bom papo e a um moço audacioso e disposto à conquista?
Certo dia, vinha Dorva chegando com pesadas sacolas. Ele se aproximou como quem sai do nada e surpreende:
-Me dá cá isso! Para que tanto orgulho? Por que não pede ajuda?
Simpático, com o cigarro preso entre os dentes, uma cara de moleque.
-Porque já me acostumei. Sou só. Quando quero ajuda peço a Deus...
-E ele ouviu. Eis-me aqui em nome de Deus.
Que cara mais desabrido! Realmente era bastante singular.
-Dora, que tal a gente conversar um pouco e se entender. Adoro ouvir você cantar. Tem uma canção que me é especial. Ela diz assim: “Eu te vi a chorar, vi teu pranto em segredo correr... – recitou. E uma outra que diz:
- Já vi que incomodo...Vou ter que segurar meu canto.
-Ao contrário. A sua voz me deixa mole. Me faz sonhar. Imaginar coisas...
-Vá parando, Senhor, vá parando.—disse Dorva com cara de zangada. - Você deve ter mulher e filhos.
-Filhos não sei se tenho; na falta de uma companheira segura, muitas vezes a gente deixa escapar por ai; mas estou ansioso por me segurar em alguém. Ter meu lar; deixar alguém me esperando, chegar e ser abraçado, comida quentinha...
-Roupa lavada, cama limpa...folgado!-comentou Dorva.
Ele riu faceiro.
Chegaram ao portão. Dora tirou da bolsinha a chave, meteu-a no buraco da fechadura. Abriu-a. Ele colocou as sacolas para dentro, um pé adiante, outro atrás. Ela empurrou o portão devagarinho, expulsando-o
-Obrigada pela ajuda, Senhor...
-Que Senhor, nada. Pode deixar de lado a cerimônia. Sou Carlos. Carlos a seu dispor, concluiu inclinando-se em cortesia.
-Está bem, Carlos, obrigada. Preciso entrar e cuidar da vida.
Ele ainda se deteve segurando o portão:
-Dorva, que tal sairmos um pouco para conversar. Já gosto do seu cantar. Quem sabe goste de você por inteiro. Não tenha receio. Sou boa gente. Sábado. Sábado ainda estou de folga.
-Perda de tempo, Carlos. Você é ainda muito moço. Pode encontrar sua cara metade na primeira esquina da rua. Eu tenho idade para ser sua mãe.
-Mas eu gosto de mulheres mais velhas. Sempre gostei. Elas é que não me levam a sério. E me mandam andar. Mas ainda não desisti. Quem sabe a gente se acerte.
Dorva quis dizer algo , mas ele falou primeiro:
- Amanhã é sexta. Sábado vamos fazer um passeio. Se quiser, posso levar a Zuli...
Ele falou em levara Zuli com a gente, pensou ela. Bom. Não me parece mal intencionado. Bela pessoa. Tem um sorriso cordial, simpático... Dorva, Dorva, dê uma chance ao amor. Deixe a decepção passada no passado. Tente, tente... O coração parecia ter rejuvenescido, não parava de bater acelerado. Sessenta e dois e agora menina outra vez...
Na sexta-feira, Dora pendurou roupas cantando:” Eu sempre fui feliz vivendo só sem ter alguém. Mas o destino quis roubar-me paz de sonhador. E pôs nos olhos meus um olhar de ternura...”
-Bravo! Bravo! Aplaudiu ele da janela.
Dova riu, corando como uma adolescente.
No sábado lá se foram eles no fiat de Dorva. Novo ainda. Ele, senhor de si, no volante. Já tirara a carteira, pois breve pretendia comprar o seu carrinho. Não tão bom assim, mas que desse para andar.
Dorva mostrava-se feliz. Ele tinha uma conversa agradável e parecia tão seguro! Tão Cavalheiro!
Tomaram uma estradinha que leva ao Penedo, o rochedo natural que se banha na baía de Vitória, como se alguém muito sábio o tivesse fincado ali em tempos desconhecidos.
Como só pudessem seguir de carro até ao pé do morro, trancaram o veículo e foram subindo a pé. Ele queria mostra a ela a vista lá do alto, os navios entrando no porto, as ilhas, a cidade de Vitória, a Penitenciária, o Convento... Ela ia se deslumbrar com tanta beleza!
-Está cansada, filha?
Dorva gostou do tratamento. Até riu um pouquinho. Era como se seu pai tivesse aparecido reencarnado nele.
-Que cansada , nada. Sou dura na queda – respondeu mostrando-se confiante.
-Assim que eu gosto, menina, assim que eu gosto. –Disse ele, o cigarro pendente nos lábios.
Parecia até galã de cinema.
Alcançado o cume, encheram os olhos com a paisagem . Estupidamente lindo! A baía de Vitória é recanto para se ver e se deixar admirar. Magnífico!
Depois sentaram-se sobre a pedra nua para descansar as pernas.
-Seu nome é Dorva, mesmo?
-Dorvalina. Mas desde pequena os de casa me chamam de Dorva e a diminuição do nome pegou.
-Bom assim. Economiza no chamar.
Ele pegou na mão de Dovra. Tão pequenininha! Cabia direitinho dentro da sua. Passou a mão em volta do seu ombro e inclinou-a para seu colo. Descanse um pouco, filha!
Dora deixou-se levar. Sorridente, comentou:-
-Quando você me trata por filha, lembro meu pai. Ele se foi tão cedo!
Carlos fez-lhe um cafuné. Bom. Muito bom. Passou lentamente os dedos pelo seu pescoço. Ela notando a intenção, segurou-lhe carinhosamente a mão. Mas como estivesse verdadeiramente cansada, fechou os olhos, quase adormecendo. Ele voltou a acariciá-la, os dedos grossos descendo ao seu regaço.
Fazia tanto tempo que ela não sentia aquelas vibrações. Que bem faziam! E estavam tão sozinhos! Só os urubus podiam vê-los porque não cessam de farejar do alto a carniça, em seu bailado de acrobacias invejáveis.
A mão tocou seus seios, acordando o sexo adormecido por jejuns a que se impusera pelos desencantos amorosos sofridos. Ela se deixou levar.
A mão entrou-lhe na calcinha, tocou-lhe a parte mais íntima. O clitóris acordou. Impossível resistir.
Segurou-lhe a mão ali.
-Quer que eu tire? –perguntou ele maliciosamente.
-Não! Não! gemeu ela! Eu pensava que já não tinha fogo, mas você me acendeu. Continue. Pegue o grilinho e aperte. É muito bom.
E ela apertava a mão atrevida entre as colchas como se a quisesse prender ali. Parecia sem controle. Extasiada. Olhos fechados, arfando... Como Deus pensara em tudo. Que coisa mais deliciosa!...
-Mais! Mais! Mais! As pernas se contorcendo...
Estavam no ponto mais alto do rochedo, na parte mais inclinada. Dovra parecia desvairada, puxando com volúpia a mão do companheiro, como se almejasse que ele lha enterrasse por inteiro na vagina carente. Até que soltou um grito de êxtase. Escapuliu da mão que a despertara.
Ele não teve tempo de segurá-la.
Um pescador solitário do outro lado da baía viu quando um corpo rolou pedra abaixo e caiu no mar. Bombeiros foram chamados. Lanchas se aproximaram. Gente debruçou-se na amurada par ver o resgate.
Só o corpo, olhos arregalados em êxtase.
Nenhum sinal de violência.
Uma fatalidade.
MEDALHA DE PRATA: MARCOS DE ANDRADE (PASSO FUNDO – RS) - HORA DO LANCHE
Dexter desce do carro. Um Audi vermelho vivo. Ele veste um blazer preto sobre uma camisa branca, de gola. A calça é jeans. Seus sapatos brilham a luz da lua. Os olhares femininos logo o percebem a entrada da boate. Ele é só sorriso. Seu semblante suave e os olhos verdes vivos, mesclados com a cor parda de sua pele, dão o tom final ao seu estilo.
Ele pede uma dose de Cavalinho branco. A noite está começando. Seus olhos diligentes buscam uma fêmea para saciar sua sede de carne. Logo avista uma presa. Uma linda mulata cor de jambo, com requebrado malicioso nos quadris e cabelos longos, negros e ondulados.
Seus olhares se cruzam. A mulata requebra na cadencia da música alta que toca. Ele avança manhoso. Observa que a moça, ainda jovem, está com três amigas que a acompanham no frenesi da dança. Elas cochicham e riem a sua aproximação. Uma delas, a que parece ser a mais nova, dá um leve toque na mulata, indicando com os olhos que ele a esta olhando. Ela sorri.
Ele avança e pede se pode acompanhá-las na dança. Elas concordam. Eles dançam durante várias horas, enquanto a conversa segue animada. Depois, já cansados e com seus corpos suados, resolvem se afastar para um diálogo mais tranquilo. Ele pede uma água para se hidratar e refrescar o corpo. Ela entende que ele quer permanecer sóbrio, o que julga algo bom. Eles conversam mais um pouco e resolvem se dirigir a um local mais reservado. Ele a convida para ir ao seu apartamento. Ela, a princípio, pensa em não aceitar, mas diante daquele sorriso e daqueles olhos magnéticos resolve ceder.
No apartamento ele prepara uma bebida e põe uma música suave tocar. Eles dançam e o primeiro beijo acontece. Entre beijos, abraços e passadas de mão, ela pede se pode tomar um banho rápido. Ele concorda e indica o banheiro da suíte, onde tem uma banheira de hidromassagem. Pode ligar, ele diz, ela está equipada para liberar ervas aromatizantes e relaxantes. Enquanto isso, ele se banha no banheiro social.
Quando ela sai do banho ele já a espera em roupas de baixo. Então ela retira a toalha que lhe cobre e deixa amostra o corpo escultural. Isso excita os sentidos de Dexter. As pupilas da mulata dilatam. Seu olfato, altamente aguçado, a põe pronta. Ela senta no colo dele, abraçando-o forte. Ele fecha os olhos e a invade com volúpia. Enquanto aquele corpo moreno e bem formado se transforma, Dexter, num misto de prazer e dor, sente os mortais caninos em seu pescoço, do qual jorra um sangue vivo, quente, cheiroso e suave, como o néctar dos deuses, e as garras afiadas que lhe rasgam a pele em tiras.
MEDALHA BRONZE: PÉROLA MARIA MARIANI BENSABATH OIYE (SALVADOR – BA) - SAFADEZA?
SAFADEZA?
Começou como safadeza e como safadeza continuou até...
Um “affair” heterodoxo? Com pinceladas de ortodoxia?
Quem sabe!
O certo é que não houve selinhos virginais, juras trocadas, olhares chamativos ou música em surdina. Desejo, houve sim. Um desejo incontido de ambas as partes. Uns calores nos baixos ventres...beijos babados e chupados. Lambidas, dentadas. Houve momentos de tamanho desespero sexual que os lábios sangraram. Gotas de sangue safado. Vermelhas de tesão.
Lascívia pura e congênita? (hummm... tão bom!). Um romance safado!
Encontro de sexos, línguas, secreções. Loucos de paixão, ambos. FOME. De sexo. Um sexo animal. Baseado em instinto, em volúpia, em cheiro. Atávico. Visceral.
Um dia, descobriram que os corpos começavam a se entender com carinho. Que estavam sentindo prazer não só em dar, mas em receber, em fazer o outro satisfeito, feliz. Aí descobriram a ternura, os cálidos beijos, músicas tranquilas e olhos nos olhos. O romantismo. Ele percebeu pela primeira vez a penugem loira no corpo dela. E ela, por sua vez, descobriu que ele tinha olhos tristes e amorosos.
Já não precisavam somente de sexo, mas de afeto. De dormirem abraçadinhos. Em comunhão de almas, no aconchego. A fada do tesão brindou a ambos com a curiosidade sobre as almas, os anseios do outro. Passaram a se conhecer. Receberam com alegria a ideia do casamento e sonharam com a chegada dos filhos...
E estão casados e felizes até hoje. Os aparatos sexuais, as contendas de cama estão mais amenas. Existe ainda FOME...de amor...
I n v e r s ã o: aquele “affair” que não começou com toques e beijos virginais...assim terminou!