Teus cabelos (Alcione Sortica)
De repente, a chuva,
e teus cabelos,
alinhados, impecáveis,
escorriam,
como mel sendo tirado do favo.
Que lindos os teus cabelos molhados!
De repente, a brisa,
e teus cabelos agitavam-se,
imitando espigas de trigo,
balouçando-se ao vento.
De repente, o sol,
e teus cabelos iluminados,
repletos de matizes,
faziam inveja
ao mais lindo arrebol.
De repente, o tempo,
passando num repente,
por anos infindos.
E, de repente, a neve,
lembrando, só no olhar,
a pureza do algodão.
E teus cabelos continuam lindos.
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Razões do coração (Carlos Henrique Pereira Maia)
Por que amo a natureza?
Antes de tudo, porque ela é simples,
e a singeleza não cega o espírito,
mas permite que ele perceba a vida com agudeza.
Amo a natureza a cada alvorecer,
quando a alva invade a janela da minha alma,
e também a cada anoitecer,
quando agradeço a Deus por mais um dia de vida,
e por tudo que se encadeia em perfeita harmonia: o azul do céu, a pureza de criança,
a suavidade da brisa, o sentimento de mãe,
os momentos em que sua boca sopra meu rosto,
os mistérios que instigam minha sede,
minha insaciável sede de sonhar,
de voar um voo eterno,
eterno como o verbo amar.
Porque minha pele sente falta, falta,
uma urgente necessidade da sua carícia,
do aroma da relva que devolve minha paz,
e do calor da luz que não arrefece,
que aquece minhas mãos, meus pés,
nas noites frias, e também sombrias, de inverno.
Amo a natureza com um amor visceral,
porque sou assim mesmo: carente,
amante passional da grandeza fulgente
que viceja na simplicidade natural.
Afinal, nasci do ventre da terra,
e se outra vida além desta existir,
será por meio dele, somente dele,
que voltarei, numa outra eternidade, a sorrir.
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Saudando a Natureza (Maria Luiza Vicente Engelhardt)
O vento chega.
Eu observo, admiro, penso...
Em nossa fragilidade,
Na imponência da árvore...
A chuva cai.
Doce chuva...
Lenta, calminha, benfazeja.
As rolinhas, tico-ticos, canarinhos da terra,
Brincam e se alimentam.
Os sabiás no gramado
Saltitam e catam minhoquinhas
As plantas agradecem
Pela limpeza e frescor
Vindos com a chuva.
Eu me contento
Por olhar, ouvir, sentir...
E usufruir tamanha beleza
Com o movimento e a força da natureza.
Enquanto o vento se agita,
A chuva festeja.
As árvores se inclinam, as folhas espreguiçam,
Os pinheiros dançam.
A terra saboreia a água fresquinha e eu...
Me enterneço.
É a bênção da chuva em nosso quintal!
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Baad (Fernando Catelan)
Chamo-me Khali e pertenço à etnia Pashtun, a mais populosa de natureza tribal em toda a Terra, hoje com cerca de 60 milhões de indivíduos vivendo em uma diáspora que se espalha, notadamente, por extensas porções dos territórios do Afeganistão, Paquistão e Índia, fazendo-se também presente em outros países.
Nós, os Pashtun, não sabemos ao certo nossa origem, mas há um consenso quanto a termos surgido no período compreendido entre o terceiro e o primeiro milênio antes de Cristo.
Nasci no distrito de Pul-i-Alam, cidade no leste do Afeganistão, que é também a capital da Província de Logar. Apesar de, a princípio, parecer sugerir por seu status ares de metrópole, Pul-i-Alam nunca passou, na verdade, de um vilarejo onde todos se conhecem tão bem que os mínimos interesses ou movimentos de quem quer que seja não são segredo para ninguém.
Como
Tenho vergonha em dizer que no Afeganistão a hierarquia na pirâmide econômico-social, pela enorme discrepância entre ricos e pobres e dado o fato dos primeiros serem em tão pequeno número se revela em uma base extremamente ampla, já logo se afunilando em uma ascendência achatada até seu topo, o que mostra mesmo que em meu país a ascensão social simplesmente inexiste. Tenho vergonha de ser um Khardi, casta de Pul-i-Alam que construiu sua imensa riqueza à custa do lucrativo tráfico de ópio para a Europa.
Sim, vivi uma vida palaciana, meu pai me preparando desde cedo para sucedê-lo, mas eu tinha minha percepção de mundo entorpecida, já que me deitava com aquela espécie de corte que papai improvisava, trazendo até mim, regadas a banquetes nababescos, as orgias prestigiadas por lindas jovens de procedência européia traficadas como escravas em pagamento por remessas de ópio, e o ócio só não era pleno porque meu genitor cuidava de minha instrução trazendo para ministrar a mim seus ensinamentos mestres vindos da Índia.
Um dia, meu pai chamou-me em seu escritório, na verdade um misto de gabinete de trabalho e retiro para que o velho se deleitasse com suas companhias frívolas, isso com plena anuência de mamãe, e disse em tom solene:
- Seus mestres o consideram apto a prosseguir os estudos. Ouvindo o conselho deles, providenciei sua matrícula
E pensar que sempre desejei ser um historiador, contudo, ninguém no mundo demovia meu pai de suas deliberações, e, além disso, via ele claramente em mim seu continuador, alguém fadado a herdar seu legado de empurrar aquela sujeira toda para a Europa. Não me restava, entretanto, outra escolha. Ou aquiescia, ou meu pai me colocaria para fora de casa e eu, como indigente, cairia infalivelmente nas garras da tirana e assassina polícia do Afeganistão, que, a soldo, seguramente, de meu próprio pai, se encarregaria de dar cabo de minha vida:
- Tem mais, meu filho... Estude com afinco, pois daqui há três anos, quando você voltar, uma grande surpresa que seu pai preparou estará esperando por você!
- x –
1978. Confesso que nos primeiros meses que se seguiram à minha chegada à Inglaterra me senti um estranho, ave desalojada de seu ninho. O clima, em particular, era absolutamente distinto do que conhecera em toda a vida. Aquilo me parecia um mundo por demais sui generis para ser consentido, aversão que crescia tendo em vista que os afegãos em geral nutrem profunda repulsa por culturas ocidentais.
A vida no campus universitário, contudo, era intensa, a rotina de estudos exaustiva, fatores que não deixavam grandes ensejos a questionamentos. Para ser sincero, com o passar do tempo fui tendo um olhar mais crítico da nova realidade que se desenhava diante de meus olhos, fui percebendo como na Inglaterra as pessoas diziam muito mais abertamente do que no Afeganistão o que pensavam, como a manifestação de sentimentos tendia a ser incomparavelmente mais livre e franca que em meu país. Por assim dizer, me ocidentalizando a uma velocidade cada vez maior, nem por isso almejava dar as costas ao Afeganistão, mas, imbuído do idealismo próprio das sociedades mais ventiladas, meu desejo agora era, uma vez diplomado, regressar a meu país e encabeçar uma luta pela renovação da mentalidade arcaica lá imperante.
Havia me ajustado tão bem à nova cultura que até iniciei um namoro com Kate, norte-americana de Houston taxativa desde o princípio em me assegurar que as questões concernentes ao relacionamento entre duas pessoas eram entendidas nos EUA com o menor tabu possível, mas a ianque foi logo de cara ditando as regras do jogo:
- Sou virgem e assim vou permanecer até me casar. Gostei muito de você e desejaria sinceramente que construíssemos juntos uma família, só que quando terminarmos o curso você não volta para o Afeganistão. Quero você comigo no Texas, meu bem
Para mim que fora habituado em meu país a ter quantas mulheres quisesse, as mais belas, não foi nada fácil sublimar meu instinto de homem naqueles meses que passei ao lado de Kate limitando-me a beijá-la sentados sobre a relva do campus, vivendo a tortura de flagrar-lhe aquele rosto lindo decorado por olhos vividamente azuis feito um rio divisado ao longe, seus seios firmes e voluptuosos, a impecável formosura da arquitetura de seu corpo esguio.
Um sinistro acontecimento estava, contudo, prestes a evocar meu sentimento pátrio e precipitar o desenlace com minha Kate, de quem, àquela altura dos fatos, me enamorara de perdição.
- x –
Estávamos já no ano de 1979. Prestes a entrar nas dependências do refeitório do campus onde eu estudava para fazer minha refeição matinal e começar o dia, ouvi um burburinho frenético de vozes partindo lá de dentro:
- Esses comunistas!!! Já não basta o que Stalin fez???!!!
- Vão acabar com tudo que encontrarem pelo caminho!!! Imperialistas somos nós ou eles, afinal de contas?
O aparelho de televisão do refeitório, afixado em um suporte preso a uma boa altura do chão em uma das paredes exibia um noticiário ao vivo da BBC mostrando a invasão de tanques da União Soviética em Cabul
Sem me conter ao reconhecer os tesouros de meu país que a sagrada Cabul, a capital onde por tantas vezes eu estivera, guardava como testemunhos da soberania arrancada a preço de muito sangue por nosso povo, agora colocada na berlinda pela audácia do invasor, desatei a gritar em um gesto reativo suscitado pelo calor das emoções:
- Malditos soviéticos!!! Se comprometeram a não nos invadir!!! O sangue que derramarem lhes será tomado por dez vezes dez!!!!!!!!!
- Calma, Khali. A diplomacia internacional entrará em ação e obrigará os soviéticos a retrocederem em sua ofensiva militar...
- Eu sei que vocês estão tentando me consolar e lhes agradeço muito por isso, mas os soviéticos há muito tempo querem anexar o Afeganistão. Além do mais, vocês acham mesmo que o mundo vai se interessar por um país que vive do tráfico de ópio, seu produto de exportação???!!!
Diante de minhas ponderações, meu furor, todos se calaram e me retirei do recinto. Eu, que havia me convencido, tão logo me formasse, a viver nos EUA, precisava agora a todo custo encontrar Kate.
Fui localizar minha namorada na biblioteca, e, dado o fato de estarmos a sós ali naquele momento, pude lá mesmo encetar um diálogo:
- Oi, Khali! Sabe, já liguei para meus pais e disse a eles que você decidiu morar conosco
- Bem, Kate, nem sei como te dizer...
- Ora, não fique com medo dos velhos. Eles são bacanas
- Não é isso, não... É que...
- Anda, diz logo o que está preocupando você!
- Não tenho como manter meu compromisso com você, Kate... Quando me formar terei que regressar imediatamente ao Afeganistão...
- Mas por que, Khali?
- Minha pátria acaba de ser invadida pela União Soviética, Kate...
Guardo duas últimas imagens de Kate. A primeira, ao fim de nossa derradeira conversa, quando começou a chorar convulsivamente, entrou em histeria nervosa, e não mais foi capaz de me dizer uma só palavra. Vi Kate pela definitiva vez morta, com o corpo dependurado por uma corda presa a seu pescoço e na outra ponta amarrada no alto da janela de seu dormitório. Chamado a ver a cena, a governanta disparou em tom lacônico, até algo desconfiado:
- Tome! Isso deve ser seu...
A mulher carrancuda passava às minhas mãos trêmulas a aliança de compromisso com a qual eu presenteara Kate e ela com muito gosto desde então passara a usar.
Dali em diante, viveria para a obstinação em regressar ao Afeganistão. Oxford perdera para mim o encanto. Resumia-se tão só na transposição de um objetivo ao qual eu consagraria todo o meu tempo a fim de me tornar sem mais delongas o administrador de empresas misto de idealista revolucionário que meu país clamava.
- x –
A bordo do avião que me levava de vez de Londres a Cabul, mantinha a firme convicção de o que me estava reservado era, valendo-me dos conhecimentos assimilados em Oxford e no contato com o Ocidente, em um primeiro momento fazer frente à ocupação soviética no Afeganistão. A visão cosmopolita de mundo que eu agregara à minha bagagem de vida faria, entretanto, que eu, quase irrefletidamente, me prestasse a um papel que exerceria uma mudança inexorável em minha existência.
Chegando a Cabul, fui atravessando a cidade sem poder expressar a revolta em ver aqueles blindados assinalados com a estrela vermelha e o forte aparato de soldados, circo armado pela potência intrusa. O mais doloroso, porém, era ser testemunha ocular do povo, não obstante pisando solo seu, a olhar de esguelha a movimentação das tropas, e, no mais, absolutamente impotente, resignar-se a seu caminhar cabisbaixo.
À medida que íamos nos distanciando da capital, a presença soviética diminuía num crescendo, até, em Pul-i-Alam, nem mesmo ser notada. Dirigi-me incontinenti à casa paterna, porém, um incidente em família acabaria por selar meu destino:
- Ora, filho, então agora vou ter um administrador de empresas em meus negócios?
Confesso que fiquei sem resposta, já que tinha outros planos e não previa uma ingerência assim tão imediata de meu pai em minha vida
- Mostre-me seu diploma, Khali
- Bem, está aqui...
- Bom, então chega de conversa e vamos logo ao ponto! Você senta aqui na minha cadeira e já começa no comando. Enquanto isso vou até a casa de seu tio Makthula. Você acredita que o pai da Safhir fugiu com a esposa eleita de seu tio? Ah, quanto à surpresa já marcamos seu casamento com a caçula de Makthula! Carne fresca, filho!
Precisava trabalhar sim, mas não como ditara meu pai, e correndo contra o relógio. Irmão de meu pai, meu tio Makthula atuava como gerente de suas plantações de papoula. De caráter vil e índole vingativa, vivia sim com sua esposa predileta, mas também com muitas outras concubinas. Quanto a Safhir, era filha única de um casal muito pobre, sem clã, dinastia ou posses, assim, em Pul-i-Alam, onde não se recorria à lei afegã pela própria corrupção notória no Judiciário, meu tio Makthula iria ao conselho de anciãos, herança tribal equiparável a uma justiça paralela informalmente aceita, e este dificilmente deixaria de condenar a menina Safhir à terrível pena do baad.
Havia duas medidas a tomar de imediato. Em primeiro lugar, mesmo correndo o risco de ser descoberto, e, por conseguinte, apedrejado enterrado até a cintura no chão em praça pública, precisava a todo custo subtrair uma soma apreciável de meu pai. Como ele vinha me delegando o futuro de seus negócios, eu sabia onde era guardado o grosso do dinheiro, assim peguei o que julguei suficiente, e, visto ter restado uma pilha reduzida de cédulas, recompus seu volume com recortes e mais recortes de jornal. De qualquer forma, constatada a maquinação as suspeitas recairiam unicamente sobre mim. Era necessário ainda que me pusesse a escrever, e melhor do que nunca.
Em Pul-i-Alam o membro mais jovem do conselho de anciãos fora em meus estudos elementares assistente de um mestre hindu que muito me influenciou. Tinha a mente aberta, tanto que sempre se mostrava refratário à aplicação da pena do baad por julgá-la uma barbárie. Em suas mãos confiaria um escrito meu dirigido como de autoria anônima ao chefe do conselho de anciãos, que, na eventualidade de abrir julgamento contra Safhir, teria a obrigação de ler em voz alta a todos antes da deliberação final por se tratar de peça de instrução apelatória representada por membro do conselho. Tendo eu êxito, ainda fugiria ao acerto nupcial com minha intragável prima.
- x –
- Guardiões das leis tribais de nosso ancestral povo Pashtun, se os convoco nesta noite é porque nossa honra foi ultrajada. Makthula, nobre membro de nossa casta, teve a esposa preferida roubada. Quem o fez, face à sua origem nada ilustre, logo de berço indigno de ser tido por um afegão, sequer citarei, mas deixa o transgressor como reparar o prejuízo através da filha de dez anos, Safhir, que, se este conselho julgar passível da aplicação da pena do baad, poderá ser de serventia a Makthula para todo e qualquer propósito que ele quiser, e isso desde já. Proponho, então, aos membros a votação da reparação a Makthula pela aplicação do baad a Safhir, desejada pelo ofendido
- Um momento, um momento!!!
- Conselheiro Majhud? Deseja a palavra?
- Sim, nobre chefe do conselho de anciãos aqui reunido!
- E em que consiste o motivo de sua intervenção?
- Trata-se de uma representação em defesa de Safhir que faz conceituado interessado como apelação, ainda se dispondo não só a ressarcir monetariamente Makthula, como também tomar a menina Safhir como esposa
- Pois, então, proceda você mesmo à leitura da apelação
Valendo-se do fato de que o chefe do conselheiro de anciãos se eximia ele próprio de ler a apelação, Majhud abusava da dramaticidade com vistas a obter um maior impacto emocional sobre os conselheiros
O Afeganistão talvez nunca tenha sido um solo que oferecesse soberania a seus filhos porque é evidente em nossa nação, formada, é verdade, por diversos povos que poderiam ter sido arranjados de maneira independente, que falta um sentimento de união, que prevalece o orgulho de castas e etnias, quando, já que fomos sentenciados historicamente a essa diversidade, poderíamos fazer disso nossa maior riqueza, que brota do valor que cada ser humano, rico ou pobre, agrega ao desenvolvimento de seu país. Até quando vamos indefinidamente recorrer ao baad como forma de compensar com o sofrimento de inocentes procederes pelos quais outros deveriam responder? Se os senhores do conselho de anciãos aí reunidos para dirimir o destino de mais uma infeliz zelam verdadeiramente pelas leis de nosso povo sabem perfeitamente que não há lei sem noção de amor, e se são pais e avós exemplares no que tange a terem dispensado amor a seus descendentes, devem saber, antes de mais nada, que nem todos os filhos do Afeganistão têm ou tiveram o privilégio de conhecer o amor. Leis têm igualmente caráter preventivo à medida que sua aplicação é exemplificativa, mas a aplicação do baad em mais esse caso trará que tipo de exemplo? Provavelmente converterá a condenada, uma vez adulta, em uma pessoa incapaz de amar, e, por conseguinte, guardar fidelidade, à exata maneira como se deu o caso que envolve os personagens em questão.
Não me sinto seguro a revelar minha identidade, mas confesso que por estimar a menina em julgamento não só me disponho a desposá-la, como também reúno meios de ressarcir monetariamente o autor da ação, que pelas leis ancestrais do povo Pahstun não terá como alegar não ter sido ressarcido de seu prejuízo.
Os conselheiros em nosso povo são também intermediários dos interesses dos cidadãos, assim, se aceitos os meus termos devidamente endossados pelo conselheiro Majhud, que é digno de vossa confiança, pediria que uma nova assembléia fosse marcada a fim de que o referido conselheiro pudesse apresentar as garantias de que cumpri com minha promessa.
Terminava a leitura da missiva de Khali. Os conselheiros entreolhavam-se sobressaltados, já que não se tinha, até então, registro de uma apelação sequer a favor de quem quer que estivesse na iminência de receber a pena do baad. Makthula, como era de se esperar, mostrava-se tenso com a decisão que viria, mas ao mesmo tempo não lhe fugia à percepção que a emoção tomara conta de muitos dos conselheiros:
- Pedindo que seja levada em conta a apelação que foi lida, pois legítima, solicito aos conselheiros anotarem silenciosamente em suas tábuas de madeira seus votos e repassá-las dentro da ordem a mim
Reinava uma pesada atmosfera de tensão no ambiente:
- Por quinze votos a dois, a menina Safhir está absolvida da aplicação da pena do baad. Lembro, contudo, ao conselheiro Majhud que se as provas do cumprimento dos votos do apelante não forem apresentadas a este conselho na próxima assembléia a ter lugar em sete dias, nova votação decidindo o caso ocorrerá.
Procurando evitar ser seguido, Majhud, tão logo foi proferida a sentença e a sessão encerrada, foi ter ao encontro de Khali a fim de inteirá-lo do resultado.
- x –
Quando Khali já tomava seus preparativos para se avistar com Majhud o quanto antes, viu, para sua felicidade, que o importante aliado o procurava primeiro. Ciente do que fora deliberado pelo conselho de anciãos, sabia, contudo, que precisava agir rápido, na calada daquela mesma noite, antes que fosse descoberto o roubo. Confiou, assim, a maior parte da expressiva soma em dólares que subtraíra de seu genitor ao conselheiro, recomendando expressamente a ele que entregasse o dinheiro a seu tio como quitação da desonra que sofrera. Makthula, um homem corrupto, trataria com certeza de ludibriar seu irmão de modo tal que a vítima não vinculasse o furto de seu dinheiro pelo sobrinho à procedência da vultuosa indenização recebida por Makthula.
Despedindo-se na correria, dirigiu-se furtivamente à casa do pai e foi à cata dos poucos pertences que conseguiria carregar a pé na exaustiva viagem que empreenderia muito em breve.
Indo à tosca habitação de Safhir, situada na periferia de Pul-i-Alam, Khali explicou sucintamente à mãe da garota tudo que se sucedera, expôs resumidamente e com visível pressa como lograra impedir sua condenação ao baad, e, algo sem jeito, formulou à jovem mulher seu pedido de casamento com Safhir, que, justo naquele instante, dormia seu sono inocente de criança acomodada precariamente sobre o chão de terra da peça pobre, mas asseada.
Khali era visto com bons olhos pela mulher, que não fez qualquer objeção em tê-lo como genro, e, por considerar que o rapaz se desdobrara no sentido de encontrar a melhor saída para sua filha, também não esboçou contrariedade ao saber da boca de Khali que a salvação seria ele se por sem mais tardança com a menina em fuga.
Khali, contudo, faria mais pela desfeita e infelicitada família. Sabedor de que, a mando de seu pai, seus capatazes desfechariam sua ira sobre a genitora de Safhir, indefectivelmente cuidando de trucidá-la, não sem antes barbarizá-la das mais horrendas formas, o membro do clã dinástico associado ao tráfico de ópio expôs à mulher o risco iminente que pairava sobre ela, propondo-lhe que se juntasse a ele e à filha na fuga. Para deixar claro que era movido pela melhor das intenções, o mancebo recém-egresso de Oxford assegurou à moradora do casebre que não tinha intenção alguma de fazer dela também sua esposa, que saberia sempre respeitar sua vontade no tocante a um novo envolvimento amoroso que o destino lhe trouxesse, frisando que seria para ela um guardião, faria o que estivesse ao seu alcance para que nenhuma mácula à sua honradez lhe sobreviesse. Diante de tamanhas provas de sensibilidade, algo sui generis naquele pedaço de mundo com códigos de moral capciosos, a mãe de Safhir manifestou o desejo de também ela deliberadamente abandonar a habitação em que até então vivera de pronto.
O amor por vezes nos vem em um lance de imprevisibilidade. De pouco adianta teorizá-lo, já que necessariamente pede o tangenciar de duas trajetórias, cada qual em parte regida pelo livre arbítrio inerente a cada um. Que norte aquela vida colhida no atropelo traria para o coração de Khali? Deixemos que ele próprio nos conte.
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Ainda era madrugada quando eu e Safhir, na companhia de Lathif, deixamos Pul-i-Alam e suas luzes de archotes queimando gordura de carneiro para trás no horizonte distante. Tínhamos, porém, que apertar o passo, já que àquela altura dos fatos meu pai certamente já pusera seus melhores homens à caça de nosso paradeiro.
Havia, contudo, dois sérios entraves ao nosso avanço rumo às regiões montanhosas do norte, refúgio sabidamente seguro. Vez ou outra, avistávamos algum destacamento soviético, uma ameaça recorrente à integridade física de Safhir e Lathif, particularmente vulneráveis ao instinto animalesco dos intrusos, o que nos forçava a aproveitar o escuro das noites para, enveredando pelas matas no sopé dos montes, progredir em nossa carreira. O outro problema com o qual nos defrontávamos corria por conta de nossa condição de foragidos nos enquadrar como infratores das leis afegãs, o que nos sujeitava a vinganças de toda sorte que o grupo Taleban, uma milícia armada xiita importada do vizinho Paquistão e que, financiada pelos EUA, usava de táticas de guerrilha e ações terroristas como forma de resistência à presença soviética no Afeganistão, normalmente dispensava a indivíduos da etnia Pashtun que desertavam de suas regiões de origem demandando localidades dominadas por outras etnias.
Não saberia precisar em quantos fogos cruzados nos vimos nessa odisséia que vivemos, mas, para nossa felicidade, nem os homens a serviço de meu genitor rastrearam nosso itinerário de fuga, nem muito menos caímos em poder de soviéticos ou talebans. Quando despontaram aos meus olhos extenuados da perene vigília as gigantescas cordilheiras do norte, senti instintivamente que acabava de encontrar minha morada definitiva.
A princípio, construímos para nós uma choupana, mas, excursionando pelo lugar, acabamos dando com um lugarejo perdido no tempo, esquecido, a salvo de disputas territoriais e relativamente soberano, já que regido por um código próprio de leis que nos pareceu tão razoável que, com o dinheiro que eu ainda dispunha, comprei uma pequena casa no vilarejo, além de algumas cabras para recomeçar minha vida. Soubemos, tão logo fixamos residência ali, que a comunidade professava a crença em uma espécie de cristianismo primitivo com influência de certos sacramentos da Igreja Católica Apostólica Romana, dentre eles o casamento.
Lathif logo conseguiu um companheiro, e este a desposando acharam por bem viver conosco:
Certa feita, a mulher perguntou-me:
- Aquilo que você declarou de se casar com minha filha foi só para salvá-la, não?
Lathif colheu de mim como resposta tão somente um sorriso enigmático.
Acompanhávamos exultantes o desenvolvimento de Safhir. Quando os soviéticos deixaram o território afegão, a jovem, querida de todos ali, contava vinte primaveras sem que seu coração, virginal, tivesse se rendido a uma única paixão que fosse. O invasor batia em retirada, mas não só esse motivo colhia de júbilo nossa comunidade:
- Khali, aceita Safhir como sua legítima esposa, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, até que a morte os separe?
- Sim
- Safhir, aceita Khali como seu legítimo esposo, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, até que a morte os separe?
- Sim
- Eu vos declaro marido e mulher
No anelar da mão esquerda, Safhir tinha agora a aliança de Kate. Seu par secretamente cuidara eu que baixasse à sepultura com o corpo do primeiro dos dois únicos amores que a mim sorririam na vida.
- x –
Bem descrevi aqui minhas andanças, mas, tendo sabido de Safhir, ainda sem conhecê-la como lhe jurei fidelidade eterna, e não traí meus votos. O Afeganistão sofre agora ocupação dos EUA, que têm como oponentes antigos aliados, o Taleban e também a Al Qaeda, com suas incursões terroristas. Fanatismo e intolerância religiosa são alguns de nossos muitos problemas que reportam ao teor do que redigi um dia ao conselho dos anciãos de Pul-i-Alam, ao quanto nos seria de valia assimilar o Amar a Deus sobre todas as coisas e a teu próximo como a ti mesmo certa feita proferido por Jesus.
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Quinta estação? (Luis Henrique Isaurrauld Pereira)
Lá nas cercanias do bairro do Encantado, estação da Ferrovia Central do Brasil, no Rio de Janeiro/RJ, após uma noite linda de Lua cheia e um céu cheio de estrelas, onde estavam bem nítidas as constelações: Cruzeiro do Sul, Órion e Peixes.
No entanto, o dia amanheceu chovendo e ventando muito, zunindo nas brechas das janelas e portas daquela grande e humilde casa. No seu interior um menino se preparava para ir ao Colégio São Judas Tadeu, como de praxe estava alegre e feliz, e, detinha uma curiosidade sã pelo aprendizado, juntava seus livros, seus cadernos, seus deveres de casa e sua merenda, pão com ovo. Arrumou tudo com carinho em sua já velha pasta e foi se despedir de sua mãe, quando esta olhou para seus pés e lhe repreendeu: vá colocar as galochas. E o menino, com muito respeito à sua mãe, argumentou: mas, mãe estas galochas fazem barulho estranho, parece um coaxar de sapo! E os meninos ficam caçoando de mim! E também não tenho forças para colocar estas galochas que estão muito apertadas. E sua bondosa e generosa mãe lhe disse: as galochas são para proteger seus sapatos e embora seu pai trabalhe bastante, o soldo de militar limita nosso orçamento familiar, embora tenhamos o desejo, só vamos comprar sapatos novos no inicio das aulas do ano que vem, tenha compreensão com seus pais e não ligue para os meninos que mexem com você. Eles também fazem isto por que és o primeiro de turma e o Colégio exige que use a “Medalha de Honra ao Mérito” em sua blusa. Venha aqui que vou colocar a galochas nos seus sapatos. Agora vá, com a autoridade que DEUS lhe deu e aproveite ao máximo o que ELE está lhe oferecendo através de nós, seus pais terrenos e não se preocupe com os meninos maus e sim com os meninos bons, seus amigos, seus companheiros de estudo, de futebol, de divertimentos. Que DEUS lhe abençoe, e trate todos com educação e amor. Aquele menino radiante seguiu para a escola, no meio daquela chuva, desviando-se das poças d’agua, seguindo pela Rua Pernambuco, dobrou à esquerda e desceu o outeiro pela Rua Pinto Teixeira, alçando à Rua Clarimundo de Melo, e mais alguns passos chegou àquela “Casa do Saber e do Encanto” – Colégio São Judas Tadeu. Na sala, situada no segundo andar do sobrado, os alunos estavam sentados, compostos e conversavam animadamente enquanto aguardavam o horário de inicio da aula de Geografia. Um pouquinho antes do horário o professor chegou e adentrou na sala, onde sentimos um clima diferente no ambiente, um misto de tranquilidade e ternura, e até o ar se modificou, parecia que estávamos num jardim, onde vários aromas de flores se somaram e tornaram o ambiente mais leve, mais oxigenado!O Mestre anunciou que iria dar a aula, pois o professor titular da matéria, por motivo de força maior, não pode comparecer. Então, lhe demos boas vindas! E perguntamos qual seria o tema da aula e seu nome. E falou: agradeço a recepção dos meninos, aprecio a educação da turma e os vejo com muita sede do saber e isto é muito importante. Vou colocar no quadro negro os questionamentos feitos. E lançou com giz branco o seguinte: TEMA DA AULA: 5.ª ESTAÇÃO! Os alunos se entreolharam e acharam tudo muito estranho! Mas antes da reação da turma, o Mestre tomou as rédeas da aula e se dirigindo aos alunos, falou: menino que está com esta Medalha Dourada, de melhor aluno da turma, se aproxime aqui do palco. E o menino, com muito respeito retrucou: professor minhas galochas fazem um barulho estranho e a turma vai caçoar de mim desconcentrando a sua aula, eu poderia responder daqui mesmo, Senhor? E assim o Professor desceu do palco e foi até o menino, se abaixou, e se pôs a retirar as galochas, pois tinha percebido que aquele menino franzino tentou, mas não conseguiu retira-las. E ao se abaixar cochichou ao ouvido do menino: és o primeiro da classe aqui e no Reino de DEUS, e, no final da aula vou colocar de volta suas galochas. Já no palco, o menino respondeu com galhardia e maestria todas as indagações sobre o clima no planeta Terra. E assim, o Professor anunciou uma novidade a – 5.ª ESTAÇÃO. E foi adiantando que esta “Santa Estação” iniciou-se há 2.012 anos, e que nesta estação o clima sempre se modifica, no hemisfério sul, a natureza fica mais leve, o ar fica mais oxigenado, favorecendo o metabolismo dos seres vivos, as árvores ficam mais viçosas, os frutos ficam maduros, as pessoas são mais cordatas, solicitas, bondosas, cedem lugar nas filas de mercado, cedem o lugar nos elevadores, enfim dão um melhor tratamento ao seu semelhante, um respeito ímpar, fato que deveria ocorrer durante o ano inteiro. Também as pessoas enfeitam suas casas e trocam presentes, num misto de alegria, felicidade e esperança.Esta história iniciou-se quando o Imperador Romano, Sr. César Augusto, publicou decreto ordenando o recenseamento de todo império romano. Então José e Maria, grávida, se deslocaram da cidade de Nazaré para Belém, cujo nome significa “Casa do Pão”, e também é conhecida como Casa de Davi. Pois, pertenciam a Casa e Linhagem de Davi. Andaram sobre o lombo de um burro por 112 km, distância entre as duas cidades, por quatro (04) dias. E lá em Belém, no quinto dia, nasceu um lindo menino, primogênito do casal, que marcou um divisor de águas em nossa humanidade, pois foi predito pelo Anjo Gabriel, em Nazaré: que ELE será grande e será chamado “Filho do Altíssimo”. O Senhor DEUS lhe dará o trono de seu pai Davi, e ele reinará para sempre sobre o povo de Jacó; seu Reino jamais terá fim. E mais, seu nome será YESHUA. Que em hebraico quer dizer “A Salvação”, e
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