POESIA
MEDALHA DE OURO
Amor marinho (Andra Gabriela Prodea - Bucarest/Romênia)
Meu amor,é um caminho tão escorregadio
esse de alcançar-te onde quisesses meramente vogar
o vento bafeja agora a brisa,
meus lábios luculentos ruborizam-se com a chegada das gaivotas
que atabalhoadamente nos olham de relance
com as asas crivadas de espuma
uma fagulha abrandou a velocidade deste furdúncio ribombante
quando tu apenas traçavas garatujas ,abafado pelas lágrimas
Nossos corpos têm a singeleza de disfarçar
uma frouxidão de que nem suspeitamos
Teimamos em sair fora deste turvo vendaval
aproveitando para espraiar nossas esprândigas carícias
que apesar da tua noitada
não perderam a supimpa frescura
de nos enredar com palavras capciosas
Teus braços ardentes assenhoraram-se da minha ingenuidade
em um frascário intento por sair triunfante
ante meus lábios que reclamam paixão sem medida
O mar se gaba de afervorar-nos com seus torrentes
inebriando-se com nossos procelosos beijos
que a cada instante adolescem como as ondas
Delirantes os suspiros que assoguilham cada noite
nossa abrasadora cama onde fizeram pousada os pirilampos
cuja luz nos deleita com a mesma intensidade de sempre
E assim se intensifica o fogo entre os dois
-uma antorcha que nos treslouca arrebatadamente
Nossa carne tirita no meio da fragueira escuridão
Cada toque nos queima a pele tremulante
enquanto tu te esmeras em fazer-me sorrir
com a lua de onorável testemunha
que abençoa nosso enlace à flor da pele
Sinto a tua respiração ofegante aos meus ouvidos
e me deixo levar pela lufada misteriosa
como se estivesses para sempre aferrado ao meu peito
que pouco a pouco se rende
ante os gritos de desejo que apregoamos...
Coração Materno (Rogério Camilo Freire - Conselheiro Lafaiete/MG)
Filho, sou tua mãe, sou teus ossos e tua carne
E o sangue que impulsiona o teu coração.
Tens a metade de minha boca ou minha boca inteira,
Tens a metade de meu sorriso ou meu sorriso inteiro,
Tens a metade de mim, e sou inteiramente tua...
Filho, sou tua mãe, mas não te esperei no ventre...
Esperei-te no tempo e contei o tempo nos dedos.
Beijei-te antes de saberes quem sou,
Antes de olhares meu rosto e de ouvir minha voz,
Antes de dares o primeiro choro e o primeiro riso.
Sou tua mãe, e não te gerei em mim...
Não amoldei teu corpo, mas ajudei fazer-te.
Não te dei à luz, mas fui a chama,
A chama que fundiu um óvulo, que virou um ovo,
Depois virou um feto, depois um homem.
Sou tua mãe e vivo fingindo de pai,
Se me pedes os ombros, enrijeço os músculos,
Se me pedes o colo, finjo ser desajeitado...
Nas batalhas que sonhas lutar, finjo ser ter herói.
Sou tua mãe, e tu não sabes disso...
Esperei-te, como se estivesse te carregando,
Carreguei-te, como se estivesse te gerando,
Alimentei-te, como se estivesse te amamentando.
Entristecia-me, com os mesmos olhos de quem é mãe,
Quando teu corpo, pequeno e frágil, sentia dor.
Cuidarei para que sejas um homem justo,
Para que trilhes o teu caminho com humildade,
Para que venças o inimigo com o perdão.
E, nunca esqueças, mesmo vivendo longe de mim,
Que sou o astro e o esteio da tua vida.
Sei que meus traços são masculinos iguais aos teus,
Não há em mim algum vestígio de mulher,
E Deus me fez para ser sempre o teu herói.
Por isso, vives me chamando de pai, no fundo o sou.
Filho, sou teu pai, um pai que ama com um coração de mãe.
FACETAS DO AMOR (Marcos Pereira dos Santos - Ponta Grossa/PR)
Amor ...
Meu. Teu. E eu? Prometeu! “O Ateneu”? “Marília de Dirceu”?
Sentimento nobre. Às vezes pouco pobre, deveras esnobe. Cor de cobre.
Romance de literatura. Filosofia pura. Que figura!
Amor ...
Nosso. Vosso. Caso de ócio ou de negócio? Tédio e assédio.
Sinônimo de emoção, comoção, sedução: armadilhas do coração. Traição e prostituição.
Simplesmente amor.
Amor ...
Pueril. Céu de azul anil. Escola de Summerhill. Liberdade de Alexander Neill.
Hedonista, capitalista, narcisista. Complexo de Édipo? Vingança de Electra?
Dupla identidade. Sensualidade. Veracidade? Falsidade? Fases de cada idade.
Amor ...
Paternal. Maternal. Fraternal. Filial. Nada de (a)normal?
Platônico, único, cômico. Ah!, um matrimônio harmônico. E o patrimônio? Bendito hormônio!
Simplesmente amor.
Amor ...
Cupido, ferido, bandido, esculpido. Ato coibido? Psicologia da libido.
Afrodisíaco, maníaco, pícaro. Deusa Afrodite? Há quem acredite. Ego versus superego.
Adrenalina? Vaselina? Utopia de menina.
Amor ...
Expressão de erotismo: pompoarismo, vampirismo, canibalismo, homossexualismo.
Libertinagem. Sacanagem. Fuleragem de espionagem. Quem é personagem?
Simplesmente amor.
Amor ...
Acalentador, tentador, contraventor. Temor e bom humor.
Ativo, passivo, nocivo. Somente ao vivo? Carícias ... Peripécias ... Malícias ...
Quanto dinheiro! Outro parceiro? Coisa minha! Sexo com camisinha.
Amor ...
Psicopata? Atitude que mata. Quase ninguém escapa. “Dona Flor e seus dois maridos”. Estampidos!
Exótico, melancólico. Profano, tirano. Vip e blip. Olha a blitz! Som mix.
Simplesmente amor.
Amor ...
Tudo isso ou nada disso?
Aquém ou para além do real, do ideal?
Quem tem razão? “Casa de pensão”. Cada um tem a sua versão.
MEDALHA DE PRATA
Anjo de Olhos Azuis (André Flores - Portão/RS)
Surge no céu uma luz...
Talvez seja o sol, não!
Talvez seja a lua, não!
De repente ele surge:
Um anjo, de olhos azul do céu,
Azul do mar.
Delicada, meiga e sensível...
Tão desprotegida...
Tão indefesa...
Sem compreensão de nada...
Só entende a linguagem do amor.
Seu choro não é de socorro...
Não é de tristeza...
Nem tão pouco de desespero,
mas sim, chora pois precisa ser entendida.
Às vezes é de fome...
Quem sabe, alguma das necessidades básicas...
Ou simplesmente pedindo um colo, um abraço....
Talvez queira dizer: me proteja.
A sensação é de estar diante de um milagre...
De uma benção enviada por DEUS...
Colocando um anjo, sem asas...
Mais um anjo de alma,
Vindo para acalentar meu coração..
Meu anjo de olhos azuis...
Olhar da cor do céu...
Meu amor infinito...
Me mostrou um amor jamais visto...
Único e irretocável...
Onde apenas num simples olhar seu...
Sei que o nosso amor está ali,
André Flores
Aprendiz de Poeta
MEDALHA DE BRONZE
Florescendo na geada (Janete Serrado - Mariporã/SP)
Se eu fosse sua namorada,
Hoje, esse dia de outono
Seria inverno rigoroso,
Só para nevar na sua estrada.
No momento em que olhasse para o céu
Chegaria entre as nuvens, espalhando
Fios de ouro sobre seus cabelos úmidos.
Te daria a mão, faríamos florescer na geada.
E pelo tapete escarlate
Viajaríamos pelo mundo nos afogando em sonhos.
Se eu fosse sua namorada,
Tudo seria diferente!
Florescíamos em plena geada.
VOCÊ... EU... A CHUVA E SAUDADE (Aglaé Torres - São Paulo/SP)
A música da chuva acompanhando com o som ritmado
pensamentos preguiçosos desperta emoções.
Embala sonhos e visões de amores perdidos
num desvão do tempo rodopiando sem parar
Pedaços... Voz, Olhos, Mãos e bocas
encontram-se e acordam o desejo...
Você... Eu... e a chuva!
Nos olhos a ausência projeta Você
Sem beijo a boca esquece o gosto
Sem comida o Amor à mingua.
Aquela que fica grudada em mim de manhã,
à noite, nas madrugadas descolore o dia
Sol encoberto Lua, nota de dor Saudade.
Você, a Voz, sua cor sua boca suas mãos.
Presença que não ficou.
“Saudade aquela que fica daquele que não ficou”
A saudade de você fervendo tira a fala...
Espanta o ar. Traz garoa aos olhos.
Devolve seu cheiro, suas mãos, sua boca...
Aviva a recordação de sons e imagens
gravados a brasa no fundo de mim sob minha pele.
PROSA
MEDALHA DE OURO
A linguagem do amor (Flávio Cruz - Orlando, Flórida/EUA)
Nas entrelinhas da vida, no meio de pontos de interrogação e exclamação, encontrei você, meu ponto final. A partir daí, nenhuma vírgula, então, nos separou. Ao contrário, sem paradoxos ou solecismo, só pleonasmo, vivemos uma metáfora cheia de aliterações e ressonâncias.
Conseguíamos expressar nossos pensamentos em figuras de linguagem e rimas de amor. Até no sexo rimávamos com furor.
Texto e contexto, ambos iam muito bem, numa denotação sem contradições. Conotávamos, quando necessário. Até anacolutos, rimas imperfeitas, tudo, conseguíamos decifrar. Recitávamos, narrávamos na primeira e na terceira, sendo nós mesmos sujeitos e objetos do discurso.
Um dia, porém, tivemos de analisar e entender o conteúdo. Foi um desastre. Nada batia, tudo se confundia. Éramos a oposição reencarnada. Todo o discurso se desfez num voraz e demagógico palavreado. Foi uma cruel ironia.
Aprendemos, a duras penas, o que era antítese. A partir daí, vivemos nossas vidas em separado, num discurso indireto. Sujeitos ocultos, porque, claramente não havia mais objetivo, muito menos objeto direto ou sequer indireto, em nossa relação. Eu e você parecíamos mais pronomes relativos do que um caso reto. Não usávamos mais o indicativo. Nossa vida passou a ser subjetiva e imperativa. Fiquei, pessoalmente, com medo do infinitivo impessoal.
Passamos a ser, para sempre, sujeitos ocultos de uma frase com verbo intransitivo. Pior, sujeitos inexistentes em uma frase com um verbo irregular. Erroneamente conjugado e com acento no lugar errado. Poderia ser pior?
Reticências, ou deveria ser um ponto final?
Waving girl (Francisco Gondar - Rio de Janeiro/RJ)
Florence era uma menina alegre, que, na sua infância, brincava com as demais crianças e amiguinhos, como toda criança feliz. Temporão de uma família de classe media norte americana, filha de um militar, residia com seus pais na ilha de Cockspur, próximo à cidade de Savannah, EUA. Ela estudava em bom e tradicional colégio e tencionava formar-se em curso superior, haja vista que, naquela época, dificilmente uma mulher atingia tal nível. Apreciava a leitura clássica e era grande admiradora de famosos autores britânicos e norte- americanos.
Florence, quando adulta, tornou-se uma linda mulher. Não sabemos ao certo, mas, já formada, trabalhou em um jornal de grande circulação e se especializou em matérias políticas, visto que aqueles anos instáveis politicamente precediam o início da Primeira Guerra Mundial.
Sempre bem cortejada e cercada de pretendentes, Florence não se perturbava com o assédio masculino e saía muito bem, com ética e elegância, de todos os aventureiros que não lhe despertavam interesse. Parecendo ser uma mulher emancipada para sua época, admitia com certa convicção, de que jamais se inclinaria ou se prenderia a um homem, ao ponto de se envolver emocionalmente.
Certa vez, visitou o porto de Savannah um navio mercante europeu, cujos tripulantes foram conduzidos à embaixada de seu país para participar das festividades que comemoravam o aniversario da cidade. Florence estava presente e durante o evento, como num passe de mágica, sem entender seu próprio coração e seu comportamento, apaixonou-se por um oficial da tripulação e ficou entusiasmada com um sentimento que nunca havia experimentado antes: o amor.
Não sabemos a que nível de relação chegaram, contudo, dias mais tarde, antes da partida do navio, o jovem Oficial deu a Florence o lenço que lhe envolvia o pescoço e prometeu a ela que, na volta de seu barco, pediria sua mão em casamento.
Florence, perdidamente apaixonada, foi ao cais despedir-se de seu grande amor. Chorou ao ouvir os três apitos do navio e acenou para ele, mal sabendo que, a partir daquele momento, tal gesto de acenar seria o inicio de uma triste saga que sucumbiria toda a sua vida.
O tempo foi passando, estações se sucediam e cartas não eram respondidas, mas Florence seguia alimentando a esperança de um dia rever seu grande amor. Com o passar do tempo, Florence passou a residir na ilha de Elba, habitualmente postava-se na margem direita do rio que conduzia os navios ao porto de Savannah e com seu lenço inseparavel, acenava para eles ao passarem na esperança de, quem sabe, reencontrar aquele jovem e bonito oficial que mudara radicalmente toda a sua vida.
Os anos se passaram, Florence amadureceu e, usando sempre as mesmas vestes, todos os dias dirigia-se para a margem do rio e repetia o mesmo gesto para os navios que passavam e visitavam o porto de Savannah. À noite utilizava-se de uma lanterna, como se estivesse dizendo:
– Estou aqui, meu amor. Não me esqueça e volte para mim. Pouco importa o frio, o sereno, a neve, a chuva. Aqui estou. Como sempre, estarei te esperando como te prometi, meu amor.
Nenhum argumento foi suficiente para mudar seu comportamento. Sua vida foi completamente alterada depois daquela festa na embaixada. Florence largou sua profissão, relaxou sua vaidade e dedicou-se inteiramente à rotina de sair de casa bem cedo pela manhã, acenar para os navios com seu velho e surrado lenço durante todo o dia e a noite, portando sua pequena lanterna e só tendo como companhia o cachorro que sempre a acompanhava.
Sua história já era bem conhecida na cidade e até mesmo no país, mas ela sempre mantinha a esperança de um dia reencontrar aquele homem jovem e bonito que lhe prometera amor eterno.
O tempo foi passando. Florence já mantinha sua rotina há 40 anos quando, em uma manhã cinzenta e fria, com muita neblina, e já muito confusa em suas faculdades mentais, ouviu um apito de navio, um tanto diferente dos demais.
Florence começou a acenar, muito embora não estivesse vendo a embarcação, e então gritou:
– Como se chama esse navio? Não posso ler seu nome...
Naquele momento, Florence viu a sua frente uma grande névoa e dentro dela a luz de um jovem marinheiro. Muito assustada, perguntou:
– Quem é você?
– Eu sou o cavalheiro da nuvem sem destino, que em todos os portos procura e encontra jovens mulheres apaixonadas. Venho prestar-lhe solidariedade e trazer-lhe a mensagem de uma lição de vida.
– ...
– O nome de meu navio é consciência. A guerra já fez sucumbir muitos amores e nos fez esquecer tudo. A guerra levou todos os príncipes desse mar. Os navios são breves, pois chegam, partem e deixam saudades e mulheres apaixonadas.
– ...
– No mar as quilhas dos navios cortam e marcam suas passagens nas águas, mas o vestígio é desfeito quase que subitamente. Assim é o amor do marinheiro, breve e incerto, como castelos de areia que tão logo são demolidos pelo vento. O amor do marinheiro é como uma névoa que se desvanece rapidamente. Ele há de surgir como um príncipe para enfeitiçar, tocar e ferir os frágeis corações das donzelas e, em seguida, partir para outros mares trocando sua atenção por outras sereias. Enfim, seus amores morrem na pedra do porto.
No desespero, Florence respondeu:
– Não, o meu marinheiro há de voltar.
– O amor dos marinheiros é como esteiras de dois navios que se cruzam. Encontram-se por alguns momentos e depois se desfazem completamente. Procure viver os dias que lhe restam, Florence, e saiba que um marinheiro jamais volta como quando partiu.
Naquele momento, Florence chorou muito. Seu pobre coração, amargurado, saltava pelo peito de angústia, e ela correu para sua casa e chorou ainda mais, parecendo que chorara por toda uma vida. Seu velho cão, fiel companheiro, morreu de tristeza, mas tampouco Florence desistiu. Depois de refeita, mesmo com idade avançada, voltou à margem do rio. Continuou acenando para os navios que passavam e nessa rotina permaneceu até o dia de sua morte.
Florence fechou os olhos para a vida, enrolada no lenço que o jovem e bonito oficial havia lhe dado 44 anos antes. Na margem direita do rio que conduz ao porto de Savannah foi erguido um monumento em sua homenagem e hoje em dia visitar o Parque da Waving Girl é uma grande atração turística.
Assim, todo navio que visita a cidade passa pelo monumento A WAVING GIRL erguido para lembrar Florence Marthurs e todo marinheiro presta a devida reverência pelo que ela representou ao longo da historia do mar.
Em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, foi lançado um navio mercante, tipo Liberty Ship, com o nome de Florence Marthus, cuja história de vida representou esperança e perseverança ao nos dar a grande lição de vida de que o verdadeiro amor é cego e não tem limites.
MEDALHA DE PRATA
Amor, absolutamente amor (Flávio Cruz - Orlando, Flórida/EUA)
Para se apreciar a luz, é necessário que se conheça a escuridão. Para saborear o doce, é preciso termos sentido o amargo. Para entender a alegria, é necessário termos passado pela tristeza. Para curtir a vitória, foi preciso termos passado pela derrota. O prazer da exaltação só vem depois da humilhação. A liberdade só é bem apreciada, depois da reclusão. O som só é divino, depois do silêncio total. A excitação só pode acontecer depois da monotonia. A vida só tem seu valor total depois do perigo da morte. O valor da verdade só vem depois do prejuízo da mentira. A bonança só é valorizada uma vez que você tenha passado pela miséria. O alimento só é gostoso quando você está com fome.
Para se amar, no entanto, não precisa ter havido ódio. Amar não precisa de um contrário. Ele é completo em si mesmo, ele é absoluto e já existia antes da criação. Assim sempre foi o amor. Só depois, por pura inveja, é que o ódio apareceu.
O muro que nos separa (Érika L. Jurandy - Rio de Janeiro/RJ)
Berlim, 1 de novembro de 1989
Minha querida Érika
Esta é mais uma das tantas cartas que estamos trocando, desde a construção deste muro que nos separa. Esta é mais uma carta carregada de amor e saudades, dos tempos que, ainda criança, juramos amor eterno um ao outro, quando nos vimos obrigados a ficar, cada um, em um lado do muro. Talvez seja a última carta à distância, mas jamais perderei o hábito de te entregar cartas carregadas de sentimentos. Esta prática que adquirimos será, para sempre, nosso modo particular de confidências.
Correm boatos que o muro será, enfim, destruído e que todos nós voltaremos a viver como um só país, que sempre fomos. E, finalmente, voltaremos a nos reencontrar e seremos um só coração batendo na mesma sintonia, na sintonia do amor.
Te amo, “minha pequena Leka”, e não vejo a hora de olhar nos seus olhos e dizer o quanto te quero e que nada na vida me deixaria mais feliz do que estar ao seu lado e ser seu para sempre.
Com todo meu amor... Klaus.
* * * * *
Berlim, 4 de novembro de 1989
Amado Klaus
A emoção que invade meu peito neste momento é indescritível. Minhas mãos estão trêmulas e meus olhos começam a marejar. Por todos esses anos, sonhava com o momento no qual pudéssemos, finalmente, estar um de frente ao outro, olhando nos olhos e deixando, tão somente, que as nossas ações comandassem nossos corpos que, certamente, seriam – e serão! – unidos em um abraço e beijo infinitos.
Nunca deixei de acreditar que, um dia, a insanidade desses homens de coração frio e mentes gélidas, teria fim. Nunca deixei de acreditar que nós, um dia, seríamos mesmo nós dois. Nunca deixei de acreditar.
Por várias noites olhava as estrelas e te imaginava aqui ao meu lado, de mãos dadas, deitados na grama, deixando que somente nossas respirações fossem a sinfonia que tocasse nesse momento mágico. Agora está tão próximo disso acontecer e nem sei se conseguirei aguentar de tanta emoção.
Anos e situações diversas que compartilhamos; tanta vida que vivemos isolados, sem ter você ao meu lado. Dói pensar em você tão longe e tão perto, mas seria mais doído ainda se eu não tivesse a certeza de que, um dia, essa distância, esse muro que nos separa, viesse a cair. E ele está caindo!
Soube que devemos esperar até que tudo seja oficializado para, somente após, corrermos para os braços um do outro e eu rogo aos céus para que seja breve. Já não consigo mais esperar este momento.
Dizer que te amo é apenas expressar em palavras um sentimento que não se explica, nem mesmo com todas as palavras que o dicionário fornece. Dizer que te amo é somente dizer o que posso dizer que sinto por você.
Mais uma vez, escrevi além do que deveria, mas sabe que sou assim, sempre fui. Você, ao contrário, sempre soube dizer tudo com poucas palavras. Você sempre soube ser o meu tudo e tudo o que eu sempre precisei.
Termino esta, que espero, seja a nossa última carta separados, aguardando que o muro que nos separa seja, logo, derrubado.
Beijos meu amor. Muitos beijos.
Érika
* * * * *
Berlim, 9 de novembro de 1989
“As autoridades anunciam que o muro será desfeito e que todo e qualquer cidadão que desejar, pode passar para o outro lado, sem que haja qualquer tipo de ataque ou repressão. Já não há mais qualquer policiamento ou outro tipo de bloqueio, somente o muro, que começará a ser demolido. A Alemanha será, novamente, reunificada”.
No lado Ocidental, Érika ouvia o comunicado e não acreditava: o muro estava caindo. No mesmo momento, no Oriente, Klaus já corria até o muro e esperava na fila para ultrapassar aquele único obstáculo que o separou de sua amada por vinte e oito anos. E sem pensar muito, Érika, também, correu para o muro, ficando lá, a espera de seu verdadeiro amor.
O nervosismo e a emoção invadiam os coração daquelas almas gêmeas separadas pelo muro e o momento do reencontro não tardaria mais a acontecer. E não tardou: lá estava ela, olhando fixamente para o muro, quando viu que um astuto homem pulava e corria a seu encontro. Como em uma raída lembrança do passado, Érika revia Klaus ainda criança, um menino esguio e bem ágil, que adorava pular obstáculos e subir em árvores. E sem se conter, Érika voltou a correr, com a mesma vontade com que correu para impedir que Klaus fosse levado, naquele longínquo 13 de agosto.
Em um abraço acalorado e bem apertado, ficaram rodando por alguns segundos, e suas risadas logo deram lugar a uma cena que marcou os que estavam ao redor: olharam e acariciaram as faces, lembrando da última vez que estiveram juntos e, de maneira lenta e gradual, seus lábios foram se aproximando, sendo brindados, finalmente, com um beijo. Até então, nunca haviam experimentado sensação mais sublime, pois jamais deixaram que outras pessoas fossem donas do que era somente deles: aquele amor incondicional que o muro tentou separar e desfazer...
Obs.: O muro do conto é o muro de Berlim, erguido na madrugada de 13 de agosto de 1961 e que começou a ser derrubado em 9 de novembro de 1989. O muro separou a Alemanha em ocidental (capitalista) e oriental (socialista), separando, também, muitas famílias e amigos.
Obs.2: os nomes Érika e Klaus são de origem escandinava – alemã – por isso sendo utilizados no conto.
MEDALHA DE BRONZE
A DESPEDIDA DE BENEDITO MESSIAS E SEU TESOURO INVISIVEL (Christian Souza Lima - Mogi das Cruzes/SP)
Benedito Messias se despede de nosso mundo. Em seu leito o relógio conta as últimas horas, suficientes para deixar o seu legado. Ele subiu várias vezes a montanha encantada da Cidade de Profecia, onde os habitantes buscavam ouro. Nunca encontrou nenhuma pedra preciosa. Nenhum vintém. Apesar disso, Benedito faz a montanha chorar sua morte. Peregrinos, camponeses, beatas que freqüentavam as capelas e companheiros de garimpo. Amigos... A maioria eram seus clientes na padaria de sua propriedade. Nela Benedito fornecia o pão sem discriminação de crença ou religião, mas com uma condição para todos: “O pão era entregue com a mesma magia para todas as mãos”. Todos se lembravam de Benedito ao comerem do pão. Durante décadas comeram do pão untado com lembranças do sorriso, dos alentos e também das piadas de Benedito. Os habitantes se lembravam das palavras sempre em boa hora de Maria de Lótus, sua esposa. O mais graduado profissional de vendas de Profecia jamais conseguiu o resultado que Benedito e Maria conseguiram nos tempos áureos de padaria.
Benedito em seu testamento assinou apenas a escritura da casa dos fundos e do terreno que um dia acolheu a construção da padaria “Luz de Arjuna”. O restante do legado foi constituído de jóias invisíveis e palavras que agora registro no texto abaixo. Assim relata meu pai Benedito:
- A primeira transmissão televisiva do país foi aqui em Profecia. Sua antena ficava logo ali naquele prédio. Servimos a primeira fornada de pão para os funcionários. - conta Benedito apontando para a janelinha do quarto. - Maria de Lotus com brilho nos olhos meneava a cabeça confirmando o que era dito.
- Vimos pela primeira e última vez o gigantesco Zeppelin cruzar o céu de Profecia. Naquele dia, como nos dias de graças e de procissão, esgotamos os potes de balas e doces para celebrar a alegria das crianças que aqui passavam e inocentemente compartilhavam da energia dos adultos. – Duas lágrimas, como efêmeras gotas de diamante, correram pelo rosto de Maria de Lotus ao lembrar-se do efêmero e ao mesmo tempo eterno sorriso das crianças e do eterno céu dourado de Profecia.
- Fomos testemunhas do triunfo dos policiais por capturarem a grande quadrilha no primeiro grande assalto a banco da história do país. O dinheiro resgatado daria para comprar quase cem carros “rabo de peixe” que sonhamos comprar após sermos transportados por um daqueles no dia de nosso casamento. Os agentes celebraram o triunfo da operação com nossos pães e vinhos, não é, Dona Maria?
-É sim, meu velho... – Disse Maria de Lotus, minha mãe.
- Nosso filho estava com doze anos, não, é Dona Maria? Ele estreou em sua primeira fornada quando teve que lhe ajudar porque eu fui voluntário na organização dos leitos em barracões improvisados para atender os doentes da gripe que tomou quase toda a cidade de Profecia. Foi ou não foi, mulher?
-Eu me lembro disso. Duas horas da manhã eu consolei Berenice, que chorava a perda do marido que não resistiu à tal gripe enquanto nosso pequeno Jeremias alimentava com pão e chocolate quente os filhos dela neste mesmo quarto. – Relembra Maria de Lotus.
- As grandes máquinas de impressão de papéis foram descarregadas na ruazinha em que há pouco tempo passava charrete e então tivemos a primeira imprensa e publicação em grande formato. Hoje é o “Jornal de Profecia”. – Continua Benedito com o som da voz reduzido.
- Ah... A fábrica de carros que se instalou no galpão do antigo armazém... Não fabricavam bem um “rabo de peixe” como eu queria, mas comprei um dos primeiros a serem fabricados e transportei muitas cestas de nosso pão para as empresas que vinham se instalando em Profecia. Lembra-se disso?
- Sim. Posso ouvir as molas do banco. Para quem andou de mula a infância inteira aquilo era um sonho. – Diz Maria com um morno sorriso.
Eu e minha noiva, Diamantina, às vezes olhávamos da janela o céu dourado de Profecia enquanto ouvíamos as últimas palavras de meu pai Benedito, que aponta em nossa direção e diz:
- Vocês dois... Conseguem enxergar aquele pedacinho ali atrás do casarão? Então. Ali era o “Largo da Liberdade” onde durante décadas aconteciam festas e reuniões dos ex-escravos da antiga Profecia. Quando foi sancionada a lei que os libertou, muitos vinhos da nossa “Luz de Arjuna” regaram as folclóricas festas que aconteceram naquele largo. Foi ou não foi, mãe?
- Foi sim, pai...
-Num domingo, eu e sua mãe andamos na primeira viagem do bonde que foi inaugurado. Aquela foto ali atrás do armário mostra a gente ainda muito jovem em frente ao bonde junto com o governador.
-Em nossa humilde “Luz de Arjuna”, no quarto dos fundos, abrigamos um mensageiro que hoje tem seus textos reconhecidos mundialmente, apesar de ser uma obra póstuma. Este se tornou um filho adotivo para nós.
Nessa hora eu, Diamantina e Maria de Lotus seguramos as mãos de Benedito, que, após um último e derradeiro suspiro, diz:
- Jeremias, meu filho. Lembre-se de tudo o que te faz voltar para o seu amor, independente de toda a ingratidão e furor de Profecia. O que lhe faz voltar para seu caminho inicial “Ser Feliz”.
Então olhei nos olhos de Diamantina e não mais temi ser feliz. Não mais temi a censura dos habitantes de Profecia que duvidam da felicidade de quem não encontrou o ouro em um testamento. Abracei minha mãe sem culpa e pensei em todos os amigos que nas sombrias e perigosas ruas de Profecia pude encontrar como flores em meio ao lodo. Aquilo tudo me fazia feliz e então lembrei que o único pecado é ser infeliz.
Com o último fôlego de vida Benedito disse suas últimas e breves palavras e em seguida cerrou os olhos para sempre.
- Meus queridos. Aqui eu me despeço desse mundo lhes dizendo:
"Ganhar é não morrer em vida por se desistir da lida. Nesta vida ganhei e perdi, mas sobretudo vivi".
Benedito Messias desencarna como um dos homens mais ricos de Profecia. Sim, embora a penumbra daquele quarto com paredes descascadas revelasse o contrário para os moradores daquela cidade. Ele abriu o baú chamado “consciência”, o qual todos abrirão um dia, mesmo que no presente momento relutem em abrir. Esse baú continha grandes momentos de felicidade e amor porque amou tudo o que fez. Seus feitos eram simples, mas de coração. Fez o que gostava com muita gratidão. Tudo o que de fato queremos não podemos ver, apenas sentimos. A amizade, a gratidão, o amor e a alegria eram as jóias invisíveis de seu tesouro, e essas não podiam ser lavradas em um testamento como bens tangíveis.
AMOR ESCALONADO (Antônio Paiva Rodrigues - Fortaleza/CE)
A sorte benfazeja me conduziu aos seus braços roliços, sedosos, deliciosos e sutis. Sua inserção no meu rol solitário trouxe alegria, sentimentos e felicidades mil. A psicosfera floresceu o perfume exalçou de amor, o coração anunciou com batimentos viris. O carinho aumentou a benquerença por uma linda mulher de aparência suave como azul anil. Desprenderam-se muitas horas, de grandes momentos, jamais o insulto amargo e infeliz nos fez mudar. Visto que nosso destino estava traçado, tudo planejado, as benesses teriam um azimute direcionador.
Um casal ajustado de namoros calorosos, de festas, flores e abraços; não existiriam razões para mudar. Já que a destinação estava traçada, abençoada, o bem-querer fortalecido, e nos deliciaríamos em ardentes sensações de amor. Os grandes poetas anunciavam as delícias de um forte amor, já que ele não se vê como paixão, mas como ardor no coração. Somos eternas crianças mimadas, tudo desejamos sem contrapor, para vivermos melhor em profusão com felicidade, ternura e emoção. Na saúde debilitada, o corpo se fortalece, através do amor correspondido. .
Não existem medidas para amantes inveterados, nem resistência aos afagos sentimentais, mais e sempre mais, é como batalha fácil de iniciar e difícil de terminar, por isso é sentido, com fervor, paixões, mas sem ilusões que nos transformam em sublimes imortais. Mesmo sem compensação é melhor do que a temida solidão, o primeiro amor é misto de loucura e muita curiosidade. De sensações, vibrações, conquistas, sofrimentos e decepção, a distância não é obstáculo, é azimute que busca saciedade. Ao final de toda a caminhada, da busca desenfreada vem à vitória, a união selada, a flor desabrochada e as carícias se prolongaram. Num só corpo o amor calcificou a nossa união em virtude e glória, beijos prolongados entoaram a canção que inebriou os nossos desejos, que jamais terminaram.