NA CATEGORIA “POESIA”
- MEDALHA DE OURO (E TROFÉU GERAL DO CONCURSO):
ABÍLIO KAC (RIO DE JANEIRO - RJ)
AMOR EM TROVAS
Tire toda fantasia,
sua máscara também.
Carnaval? Foi-se a folia,
nosso amor vai mais além!
*****
Pela família se opor,
na luta venci o embate.
Pelo sequestrado amor
não teve preço o resgate.
*****
Quem tem boca vai a Roma.
Roma ao inverso, amor se lê.
Sem tapar a sua boca,
chego à Roma com você.
*****
Amor, igual carrapicho,
gruda, se fixa, se faz.
Mas se a pegada é capricho,
desgruda, seca e desfaz!
*****
Casais brigados, sofridos.
Viva o amor, a trégua veio.
Que bom em dias seguidos
ter uma noite no meio...
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- MEDALHA DE PRATA: ALCIONE SORTICA (PORTO ALEGRE - RS)
SORRISO
Serafina, moça pobre,
magra, tímida, miudinha,
olhos grandes como jabuticabas molhadas,
tão negros como a pele.
Serafina,
o sorriso abrindo-se como um sol.
Às vezes,
é como se a imensidão se rasgasse,
despejando no espaço um turbilhão de estrelas,
iluminando tudo ao redor.
Mas, quase sempre,
lembra delicado colar de pérolas,
incrustado num pequenino mar de ébano.
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FERNANDO BEVILÁCQUA (RIO DE JANEIRO - RJ)
MULHERES MÃES
OUÇAM:
HÁ MULHERES QUE,
MESMO MASTECTOMIZADAS,
AMAMEMTAM SEUS FILHOS,
DÃO-LHES A SEIVA DE SUAS ENTRANHAS,
O NÉCTAR DE SEUS CORAÇÕES.
HÁ MULHERES QUE
AMAMENTAM FILHOS DE OUTRAS.
HÁ MULHERES QUE
AMAMENTAM AMANTES,
COM GOZOS ATÉ NÃO SENTIDOS.
HÁ MULHERES QUE
AMAMENTAM OUTROS,
ENTREGANDO-LHES SEUS SONHOS.
HÁ MULHERES QUE SÓ OSTENTAM SEUS SEIOS.
HÁ MULHERES QUE
MUDAM A NATUREZA DE SEU PEITO
CADA QUAL A SEU JEITO.
HÁ MULHERES QUE
NUNCA AMAMENTARAM,
MAS CONTINUAM MULHERES E MÃES.
VIVA AS MULHERES,
NAS SUAS DIVERSIDADES
SIGO REVERENCIANDO,
MULHERES E MÃES.
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HELENICE MARIA REIS ROCHA (BELO HORIZONTE - MG)
Noite
Quando a noite canta silêncios
entre o latido de um cão
e o pio da coruja
salta um sonho insólito
e arranha minhas entranhas
estou em campo aberto
debaixo de um céu estrelado
e tenho espasmos de paixão
e um camponês conhecido
arranha minha pele lisa
murmura uma séria ternura
e lá estou, exangue
sangue indefeso
em comunhão com o Cosmos
Isto sonho
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- MEDALHA DE BRONZE
JOSÉ WARMUTH TEIXEIRA (TUBARÃO – SC)
OS TEUS OLHOS
Os teus olhos são ciano?
ou são verdes cor do mar?
Profundos tal oceano,
como é lindo o teu olhar!
São verdes quando anseiam
que te queiram admirar.
São azuis quando semeiam
todo o amor que tens p’ra dar.
Mas teus olhos são só parte
da tua imensa simpatia.
Tu és como obra de arte
que encanta, inebria.
Eu te quero sempre assim:
querida, meiga, bonita,
pois assim és para mim:
A encantadora Lenita.
VALÉRIA GUERRA REITER (PETRÓPOLIS – RJ)
COM VOCÊ
AS MINHAS CORDILHEIRAS, SÃO TEMÍVEIS
EU ACHO O UNIVERSO UM VERSO TRISTE
PERCORRO OS ESPAÇOS , VEJO O VENTO, A SORRIR
MEUS SEGREDOS, SÃO COM VOCÊ
TRAGO MEUS HORIZONTES, FECHADOS NUMA CAIXA
QUE O TEMPO, NÃO CONSEGUE DESTRUIR
NÃO DEIXO DE SONHAR, MAS SEI DO FINAL
QUE ELE RESERVOU PARA MIM
SOU TUDO, SOU NADA, SOU CARTA E MADRUGADA
VIRTUDE, OFÍCIO, E ASSIM VOU SEGUIR
QUERO VELEJAR, NAS TUAS ONDAS, E SENTIR, O TEU PORVIR DENTRO DO MEU
DESEJO, VOU TRILHANDO HORAS E DATAS, E QUANDO PERCEBO, A NOITE JÁ CHEGOU
SOU TUDO, SOU NADA, SOU CARTA E MADRUGADA, VIRTUDE, OFÍCIO E ASSIM
VOU SEGUIR
PASSO A PASSO, GOTA A GOTA, EU VIAJO EM TI, ENTENDENDO A DOUTRINA,
E O MEIO DE EXISTIR, QUANDO OLHO OS TEUS OLHOS, EU ENTENDO , MUITO BEM, COM
VOCÊ, IREI VIVER
NA CATEGORIA “PROSA”
- MEDALHA DE OURO
ABDALA GANNAM (BELO HORIZONTE – MG)
O MASCATE E O CÃO
Em outros tempos, num “fordeco”, um homem e seu cão andavam pelos caminhos de Minas Gerais. Entre eles existia uma aliança de amizade. Um dia o cachorro supôs que o pacto fora quebrado, vagou por estradas errôneas a procura de algo impossível de ser encontrado. Caminhou até se transformar num sonâmbulo, como uma sombra, desapareceu na poeira do horizonte. O homem era Jorge, o mascate. O cão chamava-se Nero...
***
Quando Jorge desembarcou no porto do Rio de Janeiro em 1930, seu conhecimento de português era precário, nada além de rudimentos aprendidos durante a longa viagem de navio. Era o mês de novembro, muita gente corria pelas ruas, ouviam-se tiros, batalhões de soldados a cavalo, se deslocavam para todos os lados, O povo repetia aos gritos:
„Ÿ Os gaúchos estão chegando! ...Os gaúchos estão chegando!
Ele não entendia os acontecimentos. Não podia imaginar tudo aquilo como parte do momento político vivido pelo Brasil. Enquanto seus pensamentos consideravam as razões que o levaram a vir para um país tão distante, à procura de sua mais próxima referência familiar, ele evocou o poder divino; murmurou em voz baixa:
„Ÿ “Allahu akbar”.
Depois de ter tido muita dificuldade em se fazer entender no Rio de Janeiro, foi para Juiz de Fora, em Minas Gerais, onde tentaria localizar Marwan. Esse já se encontrava no Brasil há alguns anos.
Marwan possuía um pequeno estabelecimento comercial na periferia da cidade. Ali vendia fumo, cachaça, rapadura, charque e outras coisas mais. Sobre um comprido balcão lavrado em madeira bruta, ficavam uma balança de dois pratos com seus pesos, um garrafão de cachaça e um rolo de fumo. Não só para se livrar de ratos, mas também porque gostava de gatos, Marwan possuía dois; um preto, outro cinza rajado de negro. Durante o dia dormiam nos extremos opostos do balcão.
A chegada de Jorge, não foi bem recebida. Seu pai, surpreso, falou:
„Ÿ Não sei onde você estava com a cabeça para ter vindo ao Brasil à minha procura. Se acha fácil fazer fortuna por aqui, como se supõe na Palestina, enganou-se.
„Ÿ Não vim à procura de fortuna! „Ÿ Respondeu Jorge. „Ÿ Quero apenas uma chance de trabalho.
„Ÿ Neste país, para sobreviver „Ÿ explicou Marwan „Ÿ, é necessário muito esforço, em condições nada boas.
Pouco tempo depois seu pai comprou uma mula, equipou-a com duas bruacas cheias de mercadorias (tecidos, meias, camisas, bijuterias, etc.). Disse-lhe:
„Ÿ Faça como eu fiz quando aqui cheguei. Pegue esse animal e dele tire seu sustento.
„Ÿ Mas como? „Ÿ Indagou Jorge.
„Ÿ Você deve vender essas mercadorias „Ÿ disse Marwan. „Ÿ Viaje pelo interior, onde é mais fácil negociar.
„Ÿ Não posso fazer isso, sem saber falar português „Ÿ contestou Jorge. „Ÿ Como chegar às cidades? Eu não as conheço! E quando a mercadoria acabar, como farei?
„Ÿ Bem... O idioma aprende-se ouvindo o povo „Ÿ respondeu Marwan. „Ÿ Por aí existem muitos caminhos, alguns deles certamente chegarão às cidades. Quando a mercadoria acabar, você deve retornar; adquirir outras e recomeçar.
Jorge então, com apenas dezessete anos de idade, iniciou a vida no Brasil. Seus planos eram feitos em função dos locais onde pudesse dormir: várias vezes em fazendas, outras nas pensões baratas. Durante muitos anos andou de cidade em cidade, em nenhuma delas estabeleceu sua residência, tornou-se forasteiro por toda parte. Juiz de Fora „Ÿ talvez por causa do pai „Ÿ era sua principal referência. Quase não existiam estradas de carro para as cidades menores, a maioria das viagens era feita a cavalo ou em carro de boi, deslocamento difícil para quem necessitava fazer compras num centro maior. Assim, a chegada de um mascate tornava as coisas mais fáceis; suas mercadorias eram sempre comercializadas. Com o tempo, Jorge, mais desenvolto com o Português, adquiriu dois outros animais, formou uma pequena tropa, ampliou seus trajetos, foi cada vez mais longe. Oito anos depois, já tinha conseguido fazer alguma economia, resolveu comprar um carro, um Ford modelo 1929, conhecido popularmente pelo nome de “fordeco”. De posse do novo meio de transporte, começou a viajar do leste para o norte, depois para oeste. Quando resolveu se legalizar, com uma carteira de motorista, procurou uma delegacia e foi encaminhado à comissão examinadora (as licenças para dirigir eram expedidas pelas delegacias de polícia). O delegado, chefe da comissão, lhe interrogou:
„Ÿ Como você aprendeu a guiar automóvel?
Com um linguajar ainda carregado de sotaque, Jorge respondeu:
„Ÿ Observei outras pessoas dirigindo, acabei por aprender, muitas vezes guio pela região de Governador Valadares e Bom Jesus do Mantena.
„Ÿ Por onde mais? „Ÿ Perguntou o delegado.
„Ÿ Quando vou a Bom Jesus, aproveito a proximidade com o Estado do Espírito Santo „Ÿ explicou Jorge „Ÿ, atravesso a Serra do Mantena, chego às cidades capixabas.
„Ÿ Você sobe a serra num “fordeco”? „Ÿ Questionou o delegado.
„Ÿ Sim, não há alternativa! „Ÿ Disse Jorge.
A emissão da carteira foi autorizada sem a necessidade de prestar o exame, pois a travessia daquela serra num Ford 29 já constituía um teste suficiente. Era um percurso de quatro horas sobre uma estrada estreita, esburacada, entrecortada por pequenos córregos, cheia de grandes atoleiros. De um lado contornava um abismo, do outro era limitada por uma mata fechada. Agora, devidamente habilitado como motorista, as viagens de Jorge duravam vários meses. Percorria grandes distâncias. Numa de suas passagens por Juiz de Fora, ele encontrou a “venda” de seu pai fechada. Um vizinho lhe informou:
„Ÿ Seu Marwan faleceu há dois meses. Foi sepultado no cemitério principal da cidade.
Os olhos de Jorge lacrimejaram, enquanto em seu pensamento cristalizava-se para sempre, imagens de um velho por traz de um balcão, afagando um gato rajado e com um cigarro de palha no canto da boca. Dele, guardou como recordação, um isqueiro e canivete. Foi também nessa cidade que alguém lhe ofereceu um filhote de cão pastor alemão de puro sangue. Inicialmente ele ficou em dúvida se o aceitava, pois não tinha residência fixa, onde pudesse deixá-lo. Refletiu, viu no animal um bom companheiro para suas viagens solitárias. Acabou por adotá-lo. Deu-lhe o nome de Nero. Procurou uma escola de adestramento de cães pastores da Polícia Militar e lá o deixou para ser treinado. Quando foi buscá-lo, ele já estava bem grande e adequadamente educado. O adestrador responsável esclareceu:
„Ÿ Esse é um dos nossos melhores animais. Raramente encontra-se outro igual. Está devidamente preparado para ser um bom cão de guarda.
Após pagar as despesas, Jorge recebeu uma lista de comandos básicos obedecidos pelo cão. Depois de examiná-la, perguntou:
„Ÿ Como devo proceder para ensinar-lhe novas habilidades?
„Ÿ Isso será muito fácil „Ÿ respondeu o adestrador „Ÿ, pois seu temperamento lhe permite aprender quase tudo rapidamente.
O cachorro passou a acompanhar Jorge em suas viagens. Ia sempre deitado no banco traseiro do “fordeco”. Acabou por transformar o carro em sua casa. Era comum a existência de porteiras nas estradas, pois estas passavam através de terras particulares. Jorge treinou o cachorro a abri-las. Quando alguma se interpunha no trajeto, ele parava o carro e comandava:
„Ÿ Abre!
Nero imediatamente entendia a ordem. Pulava, afastava o trinco, empurrava-a até abri-la completamente, a segurava e aguardava o veículo passar. Depois a soltava, ela voltava à sua posição inicial e automaticamente se fechava, enquanto ele saltava de volta para o carro. Se o auto, com mercadorias em seu interior, era estacionado, Jorge dizia:
„Ÿ Vigia!
Ele então colocava as duas patas dianteiras sobre o encosto da porta e sentado no banco traseiro, observava o movimento da rua. Quem tentasse se aproximar era recebido com rosnados ameaçadores. Muitas vezes Jorge tirava do bolso sua carteira. Depois de amarrá-la bem forte, lançava-a longe, em lugares aparentemente inacessíveis, dizendo:
„Ÿ Busca!
Imediatamente ele corria e a trazia de volta. Era a primeira viagem de Jorge ao sul da Bahia. Guiava o “fordeco” por uma estrada estreita no meio da mata. Ao fazer uma curva, encontrou uma árvore tombada bloqueando a passagem. Parou o carro, desceu para averiguar, enquanto Nero aguardava no interior do veículo. Subitamente, surgiu alguém de arma em punho:
„Ÿ Quero todo o dinheiro e a mercadoria! „Ÿ Disse o homem.
Jorge identificou o assaltante, como a pessoa que, no dia anterior, lhe havia indicado a estrada para Caravelas.
„Ÿ Pode ir ao carro, pegue a mercadoria. „Ÿ Disse Jorge, entregando-lhe o dinheiro.
Nero, ao observar o homem com uma arma na mão, lembrou-se de seu treinamento militar. Com um pulo veloz abocanhou-lhe o punho, forçando-o a cair. A arma escapou de sua mão, enquanto ele, já de costas no chão, sentia o peso de duas patas sobre seu peito. Nero latia e mostrava os dentes. Com o rosto molhado pela saliva do cão, o assaltante gritava:
„Ÿ Pelo amor de Deus, tira esse animal de cima de mim, ele vai rasgar meu pescoço!
„Ÿ Só basta uma pequena ordem para isso acontecer! „Ÿ Exclamou Jorge. „Ÿ Devolva-me o dinheiro.
Rapidamente o dinheiro foi restituído. A um comando de Jorge, Nero se afastou. O assaltante levantou-se e, com o punho ferido, desapareceu no meio da mata. Jorge fez o carro contornar a árvore caída, seguiu viagem. Trazia agora no bolso, uma garrucha de dois canos. Certa vez, andando pelas ruas centrais de Juiz de Fora, Jorge ia fazer alguns pagamentos. Deu falta de sua carteira, achou tê-la perdido. Como Nero estava ao seu lado, ele bateu no bolso da calça e falou:
„Ÿ Procura!
Imediatamente ele correu à sua frente. Jorge estranhou sua atitude, pois pensava que a carteira tivesse caído por perto, enquanto caminhava. Pouco depois, deparou com um ajuntamento de pessoas do outro lado da rua. Aproximou-se, encontrou Nero abocanhado no braço de um homem. Muita gente tentava, inutilmente, ajudá-lo a se livrar de suas mandíbulas. Jorge, acompanhado por um policial, interveio, sua carteira foi encontrada no bolso do indivíduo. Tratava-se de um notório batedor de carteiras. Essas e outras destrezas do cão eram admiradas por muitas pessoas. Ele tornou-se conhecido em todos os lugares por onde andavam. Por causa do clima ameno da Serra da Mantiqueira, Jorge sentia-se bem ao viajar por aquela região. Um dia resolveu atravessá-la, acabou por chegar a Alto Rio Doce, onde, numa fazenda próxima, conheceu Manuela. A partir desse dia colocou a pequena cidade no roteiro de seu percurso. Com frequência eles se encontravam. Em 1939 casaram-se. Foram morar em Belo Horizonte, a ainda jovem capital de Minas Gerais. Talvez por ciúme, Nero nunca se acostumou com Manuela. Essa por sua vez também procurava evitá-lo. Ele se tornara um belo animal, possuía um denso pelo dourado; ao longo de seu dorso, destacava-se uma mancha negra, como se fosse uma capa a cobri-lo. Suas orelhas eram empinadas, seu olhar penetrante revelava dois olhos atentos. Em 1944, uma guerra distante impunha o racionamento de combustível, era difícil a realização de longas jornadas. Jorge deveria fazer uma viagem, voltaria no dia seguinte. Decidiu não levar o cachorro. Providenciou uma forte corrente e nela o prendeu, para que ali permanecesse até sua volta. Sozinho, no crescer da escuridão, olhando para as estrelas, Nero, evocou sua herança selvagem, uivou na esperança de ouvir uma resposta, mas somente o eco de seu chamado cortou o silêncio. Quando o céu se abriu, injetando na noite uma claridade lilás, ele, num esforço supremo, conseguiu se libertar da coleira na ponta da corrente. Pulou o muro, ganhou a rua. Por um momento farejou o ar, depois desceu, dobrou a esquina, começou a correr na direção do brilho do sol nascente. Ao regressar, Jorge foi informado do desaparecimento do cão, seu primeiro ímpeto foi suspeitar de Manuela, pensou que ela o soltara, mas concluiu ser isso impossível; Nero não a teria deixado se aproximar. Durante vários dias, na esperança de encontrá-lo, percorreu inutilmente, a pé, as ruas da cidade. Mandou colocar um anúncio no rádio, outro no jornal, ofereceu uma boa recompensa em dinheiro a quem fornecesse alguma notícia. Apenas um viajante deu uma vaga indicação:
„Ÿ Pareceu-me ter visto um grande cão percorrendo uma longa estrada por onde passei. Não estou certo, havia muita poeira, poderia ter sido outro animal... Talvez um guará... Quem sabe!
No seu íntimo, Jorge sentia ser aquele o seu cachorro, tentando inutilmente identificar, no pó das estradas, os rastros do “fordeco”.
***
Depois, o passar do tempo vincou o rosto de Jorge com profundas rugas, o mascate tornou-se um velho. Ao encontrar alguém com disponibilidade para ouvi-lo, convidava-o a sentar-se na varanda de sua casa; tirava do bolso um pedaço de fumo-de-rolo, uma palha de milho e um canivete. Picava o fumo, o enrolava na palha, fazia um cigarro. Com um antigo isqueiro marca Vospic, o acendia e começava a fumar. Enquanto a palha se enegrecia na ponta incandescente do cigarro, olhava para a fumaça diluindo-se no espaço, paulatinamente contava:
„Ÿ Quando desembarquei no porto do Rio de Janeiro em 1930...
Numa noite de primavera, enquanto Jorge, enfermo, dormia, uma brisa perpassava os galhos de um jasmineiro florido, perfumava o alpendre da casa. Ele sonhava com um cão dourado e um “fordeco” desaparecendo, sob brumas ondulantes, nos sopés de montanhas azuis. Despertou sobressaltado. Com palavras balbuciadas, relatou seu sonho, depois exclamou:
„Ÿ É fácil sonhar com o difícil de esquecer!
Morreu... Tinha então, setenta e quatro anos. Não pôde perceber o destino cruzando sua trajetória e a daquele cão: Esse jamais voltou; o outro nunca retornou à sua terra natal. Porque acreditava que as vicissitudes da vida são pré-estabelecidas por Deus, ele teria dito: “Maktub”.
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JOSÉ WARMUTH TEIXEIRA (TUBARÃO – SC)
A HISTÓRIA DE UM FULGURANTE AMOR
Era uma vez... em uma pequena cidade do interior do nosso imenso Brasil, onde muitos dos perto de quarenta mil habitantes conheciam uns aos outros e a sociedade ainda praticava antigos costumes e tabus hoje totalmente superados.
Ali viviam Luizinho, um jovem atlético e bem apessoado, de vinte e cinco anos, que, apesar do apelido, tinha seus metro e noventa de estatura e Mauri, vinte anos, uma mimosa boneca mignon, apenas um metro e cinquenta.
Naquela época, as moças praticavam, nas noites de sábado, o que se chamava footing ou seja, desfilavam, maquiadas, perfumadas e trajando seu melhor vestido, ao longo da “rua do cinema” onde eram observadas pelos rapazes, que ali formavam alas para vê-las passar e para dirigir-lhes galanteios.
Embora ambos apenas se cumprimentassem, nutriam mutuamente forte atração, sendo cada qual o objeto da cobiça e dos sonhos do outro.
Acontece que Luizinho tinha em si, um arraigado complexo pela sua alta estatura e não admitia ligar-se a uma tão diminuta companheira. “Todos iriam rir ao ver-nos juntos”, dizia.
Antenor era amigo e confidente de ambos e revelara para Mauri, os sentimentos do moço e o empecilho que os separava.
Propôs então à moça uma possível solução para o impasse: combinaria com a dona do único prostíbulo da cidade, a estada de Mauri, por uma noite, ali, e promoveria a ida de Luizinho ao lugar para com ela relacionar-se amorosamente, mas com uma condição: em completa obscuridade!
No dia aprazado, Antenor convidou Luizinho para fazerem ambos um programa de solteiros, com visita ao bordel, relatando:
__ “Tem lá uma menina nova que faz amor de uma maneira inesquecível, mas sòmente em completa escuridão. Ela não admite ser reconhecida”.
E lá se foram os dois.
Em lá chegando, Luizinho manifestou a intenção de relacionar-se com a “menina da escuridão”, no que foi atendido.
Introduzido no quarto, tropeçando, chegou ao leito, onde se encontrava, revelada ao tato, uma esbelta e curvilínea mulher, já desnuda, cheirosa, seios pequenos e firmes, nádegas roliças e proeminentes,coxas macias e bem torneadas.
Após alguns jogos amorosos que incluíram beijos ardentes, quando o moço sentiu um certo tremor em sua parceira, deu-se o início da conjunção carnal, que foi seguida por um doloroso gemido por parte da mulher.
Naquele tempo, as mulheres mantinham-se castas até o casamento.
__ Machuquei você, perguntou o moço, sem obter resposta.
Consumado o ato, que para Luizinho foi simplesmente divino, ele ousou perguntar:
__ Posso saber o seu nome?
__ Eu me chamo Maria Isabel, falou Mauri, disfarçando a voz.
__ Posso voltar aqui para encontrar você, outra vez?
__ Será um prazer renovado, disse meigamente a moça.
No fim de semana realizou-se um jantar dançante no único clube da cidade.
Luizinho, movido por um ímpeto sem precedentes, pediu licença para sentar-se à mesa de Mauri, tendo a sua permissão.
__ Olá Mauri, que bonita e simpática você está esta noite! Arriscou.
__ Você está enganado. Meu nome é Maria Isabel ... falou sorrindo.
Luizinho, caindo em si, abraçou e beijou demoradamente a moça, causando uma enorme surpresa a todos os presentes.
Em poucos meses estavam casados e foram felizes para sempre.
Antenor foi um dos padrinhos do casamento . . .
FERNANDO CATELAN (MOGI DAS CRUZES – SP)
QUANDO ENSEJAS O FULGURAR DO AMOR
Quando ensejas o fulgurar do amor tamanho é o entrechoque de astros no firmamento que se dá, então, toda sorte de fenômenos que não mais escapam à flagrante percepção de quantos viventes.
Ah, se pede em contrição que o amor vingue, deponha-se, então, o rugido do canhão, o zarpar da bala que migra da boca do fogo tendo como alvo certeiro um pobre alguém. Senão por definições teóricas não conhecemos ainda o amor, de sorte que paradoxalmente deva em nós habitar, dirigi-lo por ora ao próximo a muitos de nós manifestação de fraqueza, assim, recuando no amar sequer atinamos o quanto tal postura nos levaria a nos desarmarmos.
Sim quando tu, leitor, que com os olhos percorres estas linhas, ensejas o fulgurar do amor, dá-se poderosa reação em cadeia a remover a ferrugem das engrenagens que impulsionam as idéias mais felizes, aí então acabando por se dar a conciliação entre o atávico, o lúdico e o concreto, elementos de consciência em si só altamente realizadores.
Quando ensejas o fulgurar do amor, seja tu um lavrador, um ajudante de pedreiro ou um executivo de uma grande empresa, nenhuma distinção cabível em qualquer desses enquadramentos profissionais, dado o amor e seu forte quê de inexprimível, jamais transporia nesse sentido a barreira do delineamento abstrato, em vão se queira tentar, pois, defini-lo. Melhor não partir para especulações, verticalizações que resgatem escrutínio qualquer de amor, já que no máximo podemos entendê-lo quanto manifestação diante da qual sejamos tocados em especial, do que se infere galgar o amor o cimo de quanto humanamente sejamos capazes de assimilar e exteriorizar no campo do sentir.
Quando ensejas o fulgurar do amor e é a teu próximo que irradias emanações assim tão sublimadas na forma de vibrações que o coração e a mente humanas demonstrações científicas atestaram tão capazes de sentir é mesmo qual te deslocasses de teu eixo tangenciando e mesmo interpenetrando o outro, disso resultando simbioses, à medida que laços vão se estreitando entre aquele, que mesmo no recôndito de suas preces, quis o fulgurar do amor àquele que lhe vem agora mais propenso à junção fraternalmente falando.
Que se espera, afinal, de um Universo que por pouco não conheceu a capitulação, que tenham, ainda que uns poucos, desacreditado do do pó vieste e ao pó voltarás, caçado a vida batendo à porta das ilhas da solidão e fazendo morador por morador novo adicto da causa. Em condições tão lastimáveis se encontrava a humanidade, tão premente o apelo que pedia o momento que se deixava de lado O quando ensejas o fulgurar do amor dado o transtorno gritante no semblante das pessoas. Apenas queríamos, ainda que urgisse o resultado, que todos sem exceção fossem se reintegrando, expandissem, cada qual resgatado, a grande corrente humana da qual jamais deveríamos nos ter desligado na condição de mais um elo para o qual destinados e nesse papel inseridos.
Quando ensejas o fulgurar do amor muito mais tiras proveito desse fluxo incessante de vida que o retomar do sol ao firmamento vivifica, assim, um justo proceder se vê no trato com o semelhante em um estreitar de vivências que quase faz de dois seres humanos um só, praticamente dilui o véu da carne em puros espíritos que essencialmente somos unidos tão somente pela força realizadora do amor. Quando ensejas o fulgurar do amor como que frutificas em seara profícua, fértil em matéria de colheita todas as tuas realizações, o quanto anelas não só de teu, o que assim se espera, como o fruto que haverás de ofertar àquele em cuja plantação só choveu o granizo das asperezas que o mundo deu a quem não trabalhou com afinco ou lhe disporam as intempéries, à guisa da insensibilidade de outros.
Quando ensejas o fulgurar do amor é tanto teu poder de evocar mesmo os deuses mais ancestrais, meu caro, e se mesmo, ainda que por um átimo de tempo, te é consentido varrer os olhos d’alma em uma excursão pelos confins do Universo guarda experiência tal no relicário das mais preciosas, já que raramente tem sido consentido ao homem tomar ciência de sua própria origem ou transcender a barreira do tempo quem sabe logrando conhecer sua destinação. Não, não enunciarás à exaustão a valia do fulgurar do amor, já que se imbuído dessa crença todo o Bem te será consentido, e por esta peculiaridade já terás um rebanho ávido por teus ensinamentos, assim te vale da força que te é intrínseca e segue tão apenas a senda da luz, respeitando, porém, as brumas da noite onde a maioria de nós se refaz do cansaço de mais um dia de labuta, ou se aprofunda nas teias do negror e da ignorância.
Quando ensejas o fulgurar do amor, lembra cada mínima manifestação de amor que lhe venha à mente, isso importante a fim de que não te detenhas ao conceito de amor das experiências sexuais trocadas, por exemplo, entre um homem e uma mulher. Que tal pensar que levar água a teus lábios de forma a mitigar-lhes a sede o amor no sentido de complementação? Como não inferir amor da carícia ao longo do pelo que fazes ao teu gato nascido há um mês? De que maneira de amor dissociada a amamentação, ainda que tenham que ser empregados recursos artificiais na consecução desse objetivo?
O amor quando, pois, compreendido em seu sentido mais amplo, universal, deixa de orbitar em torno das individualidades e passa a gravitar no eixo da retificação do trabalho das consciências na verdadeira compreensão do que lhe diz respeito, ou seja, chamado o homem ao entendimento do amor e assim correspondendo ele a esse novo plano de consciência dá-se a mais extraordinária experiência da vida, que é a arte da renúncia em favor daquele ainda algum tanto atrás na caminhada. Quando ensejas o fulgurar do amor visitas e revisitas o cenário de teu cotidiano nos mínimos nuances, por ti mesmo vês as pedras que ainda não burilaste.,e, por tal, deixadas pelo caminho, muitas vezes a lança em riste que colhe aquele não adiantado em seu passo. Quanto nosso não refuta, prejudicada a excursão pelo outro empreendida, voltar atrás, estender a mão fraterna em auxílio àquele que se embaraça no rumo, e por este o possível fazer? Ah, se julgamos muito haver aprendido desse nosso mundo, a bem da verdade, leque de oportunides infindas de crescimento, pouco ou quase nada sabemos, sendo, porém, certa a distinção entre apregoarmos um amor que não vem do coração e meramente vocalizado morre na glote ou sinceramente senti-lo, quando, então, as mais das vezes carecemos pronunciá-lo a quem a ele tenha ouvidos.
Quando ensejas o fulgurar do amor, verás que o espetáculo que aqui se fará para que de uma vez por todas passe a morar indelevelmente entre nós terráqueos será verdadeiramente um estrepitoso fulgurar, porém, sem contemplar qualquer das banalidades que aqui mereceram descabido ou exagerado aplauso. Já discernidos, poderemos com facilidade dividir em duas eras a saga da humanidade neste planeta, a anterior pautada pela barbárie, ao passo que a derradeira vez das artes, das manifestações de enaltecimento ao Belo, assim, plantadas no amor as sementes da arte gerarão criatividade
Quando ensejas o fulgurar do amor badalam em teu peito, bem se sabe, o sinos da morte, já que a exultação, de braços dados com o amor, este último maior das manifestações humanas de afeto, mesmo estressam a mínima fibra do músculo cardíaco tamanha a potência em que se desdobram. Por outro lado, aludirmos em apologia ao amor não deve nos infundir medo, já que o amor muitas vezes foi colocado a serviço da humanidade, muitas vezes depôs ditaduras e seus déspotas, pôs um ponto final em guerras.
Quando ensejas o fulgurar do amor vibro tenhas êxito, tenhas êxito no gesto aberto, franco em que te despojas de tuas mazelas correndo o risco de contraíres novas e mais graves, porém, saturado já da opressão que te tira a espontaneidade o medo vês como grande antídoto a este amor em todas as suas manifestações e intensidades. É hora, pois, de deixarmos aposentada de vez a couraça que por eternidades carregamos como a nos defendermos de um desamor que por encanto mágico se desfez. Quando ensejas o fulgurar do amor sinto irem de encontro a tal propósito muito mais pessoas em profusão, infindas pessoas segundo creio, assim estás entre os primeiros desbravadores, foste daqueles que, recusando entregar a alma ao desatino, aprendeste com teus próprios erros abrindo mão de quem te apontasse o caminho, até porque nessa odisséia foste um dos marinheiros à testa de embarcações e mares bravios.
Se temos que enveredar por trilhas tortuosas roteiros sombrios onde não seja possível sequer discernir a palidez da lua, e, percorrendo o agreste de nossa luz não havendo como não nos flagrarmos em nossa pequenez, quando ensejas o fulgurar do amor e outros, a isso emprestando a força de suas almas, também o façam, o jogo como que virando se reacendemos o sol sobre nossas cabeças chamando-o adiante. Quando ensejas o fulgurar do amor mostras haver expandido a força que lograste conquistar entabulando teus diálogos com forças superiores, te eximindo em jamais evocares o amor às guerras, a paixão pelas paixões nada altaneiras.
Amigo, quem seria eu que tanto errei, tanta infelicidade disseminei e só pela trilha branda que percorro agora credenciado a adestrar-te a fim de que melhores resultados ainda colhas? Apenas posso, até o pouco que cheguei, desejar-te do âmago de meu ser que ágil corre para sua renovação que persistas nesse quando ensejas o fulgurar do amor, já que te vejo próximo de tua redenção, alguém que mais felizes quantos seguiram se eu um mero teórico, esquecido, seja nos livros de quem me leu. Se de mim dependesse o fulgurar do amor, não deixaria de vê-lo, como assim o vejo, de absoluta importância, tanto que também para mim tomei a causa, mas faria dela âmbito circunscrito aos literatos e suas sinapses a andarem a passo de tartaruga.
Pensa, tu que comigo comungas tantos ideais, que muita luta temos e teremos pela frente, sem nunca esqueceres, contudo, o quanto de bênçãos de ti vertem quando ensejas o fulgurar do amor.