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TEXTOS VENCEDORES DO V CONCURSO OLIVEIRA CARUSO
TEXTOS VENCEDORES DO V CONCURSO OLIVEIRA CARUSO

NA CATEGORIA "POESIA"                

 

 

 

* MEDALHA DE OURO

 

 

Velho banco de praça

 

(Reginaldo Costa de Albuquerque - Campo Grande / MS)

 

              

 

Velho banco de praça! O cedro forte e amigo        

ainda lhe sustenta a compleição austera.                  

E figura, soturno e vivo, um quadro antigo                  

que o alento de fugaz ilusão me impusera...

 

Nessa noite tranquila e azul de primavera,

vadiava, ao luar, magro, um cão sem perigo...

Quase deserta a igreja em frente, ei-la que impera

à porta... alta, elegante, isenta de castigo...

Ao canoro dó ré mi desta fonte ao lado,

deu-me a mãozinha, o lábio, um beijo demorado...

E após, juras, castelo... e toda a eternidade...

 

Longe esse tempo!... E tudo o que lá vai é, agora,

um sonho triste... Plange um sino espaço em fora...

E, na torre do peito, os dobres da saudade...

 

 

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* MEDALHA DE PRATA

 

 

 

À SAÚDE

 

(Aldo Nora - Florianópolis / SC)

 

 

Levanta o copo de vinho e brinda

À saúde...

Bebe o húmus da terra, o calor do sol

O viço da vida... a virtude.

 

 

No copo do vinho –– o feitiço,

No copo do vinho –– a beleza,

No copo do vinho –– eu sei disso,

No copo do vinho –– a certeza.

No copo do vinho –– o sonho,

No copo do vinho –– a igualdade

No copo do vinho –– eu suponho,

No copo do vinho –– a verdade.

 

 

“In vino veritas” –– verdade

A mais verdadeira. Contestar

Quem há-de?

 

Oh! cálido e doce vinho

Oh! doce cálice

Que trazes no adocicado perfume

Todo o lume

Que ilumina a vida

E que dá vida à face.

 

Oh! vinho dos deuses

Oh! vinho de ouro

Vem de remotos vinhedos

E traz remotos segredos

Este meu vinho-tesouro.

 

 

Vinho que abre o coração do homem

À alegria

Que tira das trevas a luz

E da noite faz o dia

Vinho da harmonia e da consolação

Arsenal dos desvalidos

E dos falidos

De ideias, de ideais e de emoção.

 

 

Oh vinho! da vida, fonte

À saúde.

Oh vinho! Vinho fonte

De virtude.

 

 

Acaso não vens de Cristo?

Não és sangue de Jesus?

Não fermentaste na terra

Caindo, a rodos, da Cruz?

Não matas do mundo a sede

Com o milagre desse sangue?

O dos peixes? o do pão? este os excede.

Do Corpo de Cristo exangue

Gota a gota em chão fecundo

Brota a vide – e a vide é vinho

Que mata a sede do mundo.

 

 

Vinho que mata a sede

Vinho que a fome acalma

Vinho que dá ao pobre

O calor que o pobre pede.

Vinho que anima a alma

Vinho que as dores releva

Vinho que os males encobre

Vinho que a vida enleva.

 

 

Amigo, um copo de vinho

E à saúde!

Um copo de vinho é o caminho

Da virtude.

 

 

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Companheiro

 

(Helenice Maria Reis Rocha - Belo Horizonte / MG)

 

Reminiscências dançam nas vétebras da memória.......

as salas do tempo trazem o amigo......

que sobe a rua cantando......

vou com ele......

aprendo a música......

paralelepípedos e ladeiras crestadas de sol........

cantamos.......

conversamos pelas madrugadas......

a impossível síntese da pedra filosofal......

amamos........

cada permanência branda de discreta tolerância........

quem ama o amigo não tolera,permite.........

leve nuance de alteridade branda.......

e as ruas se esvaem ao som de um canto a dois........

até sumir numa saudade........ Helenice Maria Reis Rocha

 

 

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* MEDALHA DE BRONZE

 

 

DE BANDEIRA A BANDEIRA

 

 

(Fernando Catelan - Mogi das Cruzes / SP)

 

                                                                                   

 

Esvoaçante qual fosses azul borboleta,

nesse teu voo não te deténs à tua gente,

assim história de teu povo se intrometa

quando alma tua, talvez, mais clemente!

 

Ah, se a ti julgam uma simples menina

quiçá venha de milênios teu surgimento,

testemunho apressado se tu pequenina,

falso juízo vinga esse teu fel a portento!

 

Brasil, Japão, qual seja nação que serves

peito pelo sempre o residir tua dignidade,

e mesmo dos céus colherás essas verves,

‘inda te possua uma ira que tudo invade!

 

Sim, uma bandeira lembro eu de ter visto,

atada à idéia duma sanguinária conquista

Movem nipônicos de quem não me disto

calcada à Manchúria, sei, lista após lista!

 

Bandeira, assim, dum insaciável Império,

só chamado à paz após flagrante derrota,

assim tudo quanto nisso deveras deletério

‘inda sol nascente vívido, ó, não embota?

 

Creio, cresceste, musa, ante a estandarte

e mesmo certa nunca te sobrevir a morte,

que no mais de coisa alguma tomo parte

se face a mim, nipônica, te sei mais forte!

 

De bandeira a bandeira no mais, ó, pensas,

fértil qual se espera de ti essa tua boa leira

Se de bandeira a bandeira poucas licenças,

de horror a bonança de bandeira a bandeira!

 

 

 

 

 

 MARCOS PEREIRA DOS SANTOS (PONTA GROSSA - PR)

 

 

Qualidades eclesiásticas

 

 

Ser clérigo implica ...

 

Chamado, advindo da parte do próprio Deus.

Vocação e pureza de coração.

Resposta a um divino recado, por amor aos irmãos seus.  

Abnegação e filosófico-teológica formação.

 

Desprendimento do mundo material.

Amor à Eucaristia, pão e vinho que misteriosamente se transsubstancia.

Recolhimento interior, prática de retiro espiritual.

Celebração de santa liturgia a cada dia.

 

 

Ser sacerdote implica ...  

 

Vida de oração e contemplação.

Anúncio da Sagrada Escritura a toda criatura.

Adoração a Jesus Cristo, único Senhor da humana redenção.

Brandura associada com ternura.

 

Exercício de fé em Deus Javé.

Obediência, prudência e penitência.

Respeito à Santa Sé, devoção à Virgem Maria de Nazaré e também a São José.

Paciência, benevolência entre tantas outras virtudes; por excelência.

 

 

Ser padre implica ...

 

Esvaziamento do Eu interior, entrega total do Ser ao Divino Criador.

Convidar os jovens para o serviço à sagrada messe.

Temor ao Senhor, tanto na alegria quanto na dor.

Catequese bíblica e realização de correta exegese.

 

Voluntariato.

Celibato.

Diaconato.

Presbiterato.

 

 

Ser, enfim, ministro eclesial da igreja de Cristo implica ...

 

Viver bem o tempo de leitor e acólito.

Ter sempre firme propósito.

 

Tudo isso.

Muito além disso ...

Crer nisso.

 

 

 

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NA CATEGORIA "PROSA"

 

 

* MEDALHA DE OURO

 

 

           O ADVOGADO

 

(Valéria Guerra Reiter - Petrópolis / RJ)

 

 

             Afonso era advogado, ele gostava de sê-lo, e quando surgia alguém em seu récem-escritório, pois só havia dois meses que ele inaugurara o que chamava de Recanto do Afonsinho: pois quando chegava alguém lá, ele se sentia como um faraó, um verdadeiro Hórus Vivo na Terra. Ele fazia aquele local não só de escritório advocatício, mas também de casa de massagem, isso porque de vez em quando ele levava algumas moçoilas para lá!

 

             Afonso era um típico advogado brasileiro: matreiro, boa pinta e sobretudo malandro. Seu hobby era jogar tênis, e de vez em quando um bom xadrez; mas advogar na verdade era sua religião.   Ele trabalhava de várias maneiras, para o pobre, como defensor público, e para o rico...no comando de seu escritório, que agora para dois mil e dezesseis ele já almejava ampliação...O sujeito era muito ambicioso, tanto que agora seria contratado por um pastor famoso que soube de sua “competência” em casos nacionais - casos em que ele teve um êxito bem “hollywoodiano”...

 

               Um dia o nosso bom vivant nas artes do direito, ou esquerdo, já nem sem mais...ia pela rua andando rápido e viu um garoto correndo com uma arma na mão (pitoresco); bom, ele procurou ser ligeiro, para não levar um tiro, entrou no estacionamento onde seu carro estava, só que quando olhou viu que o véiculo (2015) não estava lá...ah pra quê? O homem surtou, ficou vermelho, azul, laranja, bege: ficou colorido...e começou a gritar, ele gritou tanto, que desmaiou, um senhor que ia saindo de carro, viu a cena e voltou; saltou do véiculo e tentou acudir Afonso, só que o nobre advogado...se assustou, sacou da arma, que portava ilegalmente e atirou a queima roupa no homem que tentava auxiliá-lo...   O homem morreu ali, naquele chão quente de verão da dita Babilônia, ou melhor, Rio de Janeiro, começou a chegar gente, a polícia, bombeiros...e o pior desta desdita, é que aquele que morreu, era o pastor que havia contratado nosso advogado carioca.

 

 

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* MEDALHA DE PRATA

 

 

Revelações do tempo

 

(Paulo Valença - Recife / PE)

 

1      

O pai operário da Indústria de Sacos de Papel nas proximidades. A mãe desperta de madrugada para lhe preparar a marmita. Os dois irmãos pequenos adormecidos. O galo do vizinho canta, anunciando que o dia logo nascerá... Ele, menino, tudo observa, na curiosidade natural de introvertido, voltado ao próprio mundo. Os passos fortes, do pai. A voz ainda sonolenta, rouca, da mãe:

- Fiz galinha com feijão verde, arroz e uma farofinha pra você levar.

O pai (mesmo sem o ver) então sorrindo, lhe aprova a iniciativa de variar a comida, no zelo da boa companheira:

- Ótimo, Marlene. Você é parada!

Com certeza, em seguida, abraça-a no aconchego da união que os aproxima na pobreza limitada, difícil de cada dia.

Então o pai toma o café com pão e ovos fritos. A faca e o garfo no prato, a zoadinha conhecida. A mãe próxima, o meio sorriso no rosto moreno de traços corretos, bonito. E novamente a voz grossa do pai:

- Bom... Até mais tarde, Marlene.

- Até, Emanuel. Vai com Deus.

Os passos cruzam a sala, o corredor estreito, a outra sala e a porta sendo aberta, se fecha, na denúncia de que o pai sai, ganha a rua estreita, de residências de porta e janela, conjugadas, da Vila Operária.

O galo torna a cantar, batendo as asas, enquanto os passos da mãe retornam ao quarto conjugado ao dos filhos ainda nos leitos, entregues ao repouso da madrugada que sem tardar, será substituída pela luz do novo dia.

Fixando a atenção aos caibros do telhado baixo, ele percebe que as telhas estão mais vermelhas ante a luminosidade que desponta, numa eterna repetição através do tempo.

Logo, a mãe os tira do leito, gritando, entregue à tarefa do comando doméstico:

- Vamos levantar!

- Mas mãe...

- Tá cedo...

- Vamos levantar!

Os passos dos irmãos e a voz autoritária que os convoca à rotina da realidade diária.

Pela rua defronte, homens conversando, entre gargalhadas cruzam-na e velozes, barulhentas, motos vencem a inclinação da mesma.

- Lavar os rostos, escovar os dentes, tomar o café e ir para o colégio, para aprender a ser gente no futuro.

 

2

Ah, é como se as cenas fossem de um filme visto, desbotado pelo tempo e que, agora, na velhice retornam com o saudosismo comum à idade, ao fim que, devagarzinho se aproxima.

- Se aproxima...

Ergue-se do sofá e caminha, puxando a perna direita, devido a recente dor que a fere.

No outro sofá, a mulher idosa segue os gestos, o andar cauteloso, o puxar dolorido da perna e, sensibilizada com o que presencia e entende, foge o rosto de lado, tentando... já então com a vista embaçada.

O corpo magro, de ombros curvos, cabeça branquinha, os braços longos ganha o corredor, entra na sala vizinha, à esquerda e, entregando-se ao que sente... Ela sem mais se conter chora baixinho.

- Pobre do meu Samuel.

Mas, quem tem o poder de conter o mundo do ser humano? Infância, adolescência, maturidade e velhice... Então tomando coragem deixa o sofá, e integrada à solidariedade da convivência dos anos, vai ao encontro do marido.

- Essa perna está me tirando do sério! Tenho de me consultar.

Depois o palavrão e a mulher se achega. Compreensiva, compartilhando-lhe a dor.

- Deixa homem, que apanho os cacos.

- A perna queima demais, me tira do sério!

- Sei, sei.

Enverga-se e devagarzinho, tateando o piso, cata os pedacinhos do vidro quebrado, enquanto a mão direita dele massageia a coxa, na tentativa de conter a dor que queima, queima demais.

 

 

 

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* MEDALHA DE BRONZE

 

 

O PASSADO ESTÁ SEMPRE PRESENTE

 

(Zara Paim - Rio de Janeiro / RJ)

 

 

Revisitar o passado é uma faca de dois gumes. Traz alegrias e tristezas e sempre vinha a minha memória predominantemente fatos lúdicos relacionados a minha infância. Os eventos de sofrimentos eram deletados inconscientemente. Hoje estou lembrando em especial, episódios que entristecem. Talvez tenha a ver com a leitura da vida do padre José de Anchieta que no período final da sua existência, escrevia versos em espanhol, sua língua pátria, talvez com saudade da sua terra para a qual nunca retornou e fixava-se muito na dualidade vida/morte.

Lembro-me hoje em especial de fatos relacionados à morte. Será uma premonição pensar na morte? Espero que não...

Recordo-me do primeiro encontro real com ela. Deveria ter lá para os meus nove anos de idade. Na verdade, anteriormente quando residia no interior passavam na minha porta cortejos fúnebres a caminho do distante cemitério e eu lá vivi até os oito anos de idade. Eram caixões escuros com longos cortejos e minha avó olhava da janela do sobrado rezando e entregando a alma do defunto a Deus. Explicava que ele não retornaria e que iria para a última morada. Às vezes eram caixõezinhos brancos e pequenos e então ela dizia que era um “anjinho” e que também não voltaria para casa. Esses fatos não eram angustiantes; não conhecia os adultos e os anjinhos que passavam na minha porta. Entretanto, aos nove anos e já morando na capital, viajei de férias para a casa de um tio que era médico legista e proprietário rural em uma outra cidade interiorana. Havia no local muita disputa de terras e as chamadas “grilagens” que hoje entendo muito bem, mas na época achava esquisito. Na minha casa, ouvia conversas entre meu pai e o meu tio. Ficava sempre atenta, mas disfarçava, com ar distraído. Meu tio aconselhava meu pai a participar das tais grilagens e lembro-me muito bem quando no escritório de casa meu pai disse-lhe: “nunca participei desses negócios; já me desfiz das terras que herdei, não tenho interesse em adquirir novas, prejudicando os posseiros que são ludibriados. Posso legalizar as suas propriedades em nome da nossa amizade, mas não participo”.

É interessante ressaltar esse estado de beligerância no local onde residia meu tio, porque pouco tempo depois fui passar as férias com ele na cidade e iríamos mais tarde, veranear na casa da praia. Na cidade, fomos eu e os meus primos à matinê. Quem nos levava sempre era um motorista da confiança de meu tio e hoje eu entendo, era também guarda-costas e andava armado. Nesse dia conheci a morte de perto. Ao sairmos do cinema compramos picolé, verificamos que o carro estava parado, mas não encontramos o motorista e havia uma aglomeração; deparamos com ele caído no chão. Estava morto. Ligaram para casa do meu tio e vieram nos buscar. Nessa noite fiquei muito quieta na cama e demorei para dormir. Agora a morte era um fato quase palpável. Aquele homem forte, jovem e muito simpático com as crianças, estava morto. Pensei, não foi Deus que o chamou como dizia minha avó. Ele morreu, porque atiraram nele. Aqui um parêntese: sempre conheci armas de fogo. Meu pai era colecionador, mas não associava o revólver a coisas tristes. Eram armas brilhantes e quietas que eram tratadas e polidas periodicamente por meu pai no escritório e eu assistia, mas para mim eram inocentes, nunca as via em atividade, porém naquela tarde as pessoas em volta do motorista falavam que atiraram nele, matando-o. Fiquei pensativa e preocupada, porque meu pai gostava e tratava muito bem aqueles revólveres. Então vivenciei a morte e percebi que era muito triste. A família não tocava no assunto para distrair as crianças; cochichavam e eu entendia que era sobre o morto. Percebi também naquele dia que as pessoas eram substituídas. Apareceu outro rapaz para dirigir o carro que levava as crianças e as minhas tias para passear. O assunto foi esquecido e fomos para o veraneio. Contrai uma infecção intestinal grave e um pediatra veio para o local para me tratar; meu tio não quis contar para meu pai que eu estava doente. Na cama eu pensava “será que vou virar anjinho”, indo para o céu como falava minha avó? Felizmente, fiquei boa, tomei antibiótico e adorei o veraneio. Havia uma piscina de água corrente doce chamada “tororomba” com uma saída de água fortíssima onde depois das brincadeiras tomávamos banho com sabonete para voltarmos para casa. Almoçávamos e retornávamos às brincadeiras em Olivença. Esqueci a morte.

Um ano depois, já na minha casa, ganhei um porquinho da índia, também chamado preá que foi batizada por mim com o nome de Chiquinha. Andava me seguindo como um cachorrinho. Subia e descia escada, sempre me acompanhando. Bebia café com leite, comia arroz, frango, frutas e folhas. Quando eu estava no colégio ela ficava em um caixote com longas pernas, parecendo uma palafita sem água. À noite também era recolhida a sua casinha que ficava no meu quarto, ao lado da minha cama. Minha mãe mandava trocar e lavar os paninhos da caminha dela diariamente. Pela primeira vez exerci a maternidade. Ela era o meu bebê e quando eu estava em casa ficava ao meu lado dando um trabalhão para limparem seus dejetos que não eram mal cheirosos, mas incomodavam minha mãe que só permitia que Chiquinha ficasse solta dentro de casa por insistência de meu pai que entendia o meu grande afeto por ela. Foi um ano de grande felicidade. De repente observei um “carocinho” na barriga de Chiquinha, onde ficavam as maminhas. Meu pai achou que deveríamos levá-la ao veterinário e fomos. Foi diagnosticado lesão tumoral e que deveria ser removida; ficou preocupado. Perguntou ao veterinário se a cirurgia era “segura” o que ele respondeu que sim e que precisaria saber qual o tipo do tumor. Chiquinha foi operada pela manhã e à tardinha foi para casa tomou a medicação e parecia bem. No outro dia amanheceu molinha e de repente à tarde faleceu. Fiquei em estado de choque. Acho que foi a primeira grande perda da minha vida.

Chorava compulsivamente, um choro que vinha do fundo de minha alma. Perdi um bichinho que para mim era um grande amor. Não pari, não carreguei na minha barriga, mas era a minha criança. Meu pai chegou na hora em que eu andava de uma lado para o outro desesperada com a bichinha no colo. Ele me acalentou, dizia que eu precisava me acalmar e que agora iríamos enterrar Chiquinha. Lembrei-me imediatamente dos “anjinhos” que passavam em comitiva na minha porta no interior. As pessoas levaram flores e algumas choravam.

Foi sepultada sob o pé de graxa vermelha próxima a varanda dos fundos da minha casa. Providenciaram uma caixinha de madeira, não lembro se foi minha mãe, ou minha avó. Era uma caixa de doce, talvez goiabada que vinha do interior. Forrei a caixinha e enterramos Chiquinha. Minha mãe se desfez logo do caixote onde ela dormia e procuravam não falar no assunto. Chorei vários dias e ninguém reclamava. Penso que entendiam o luto do meu coração. Era um serzinho muito amado, mas um simples roedor; era branca com manchas marrons-claro e inesquecível.

Mais ou menos aos treze anos faleceu minha avó, mãe do meu pai que morava conosco. Estava na cama, em casa, há dez anos. Era lúcida, mas impossibilitada de andar e era atendida pelo médico em casa. Minha mãe dizia que fora descansar. Senti a sua falta. Ia muito ao seu quarto; lá havia sempre um rádio ligado, um cheiro gostoso de água de colônia e sinhá Maria, sua antiga empregada, muito sua amiga e dama de companhia. Passavam o dia conversando e lembrando dos velhos tempos. Minha avó quando eu era criança me tirava dos castigos. Eu era teimosa e desobediente e meu pai decretava um mês sem ir ao cinema e sem montar bicicleta e minha avó não permitia.

Aos quinze anos uma morte foi muito pesada para mim. Morreu sinhá Maria que foi babá do meu pai; cuidou dele na propriedade rural em que viviam. Dedicou-se a ele até aos sete anos quando foi para o internato dos jesuítas. Era um grande e recíproco amor. Ela o tratava como “Zezinho meu fio”. Era a sua segunda mãe e o amou tanto quanto ao seu único filho que faleceu muito jovem. Acompanhou a minha avó até a sua morte.

Meu pai ao chegar em casa ia primeiramente cumprimentar a mãe e a sinhá Maria. Chamava a mãe de iaiá como a velha tratava minha avó. Aprendeu com ela.

Quando as duas velhas eram saudáveis, minha avó passava os dias lendo sobre a vida dos santos, rezando o terço e ouvindo música. Sinhá Maria gostava de fazer “puçá”, colchas e tapetes de retalhos chamados de “fuxico”, para dar de presente. Era sempre visitada pelos meus tios, tias e amigos da família que iam conversar com ela e recebiam presentes. Ela ficava muito tempo no seu quarto no térreo e lá era o local das reuniões da garotada. Todos nos reuníamos à sombra das mangueiras no quarto da velha. Meus irmãos e amigos até fumavam escondido lá. Eu ficava só conversando e ouvindo as estórias da família. Ela fumava cachimbo com fumo de rolo e meu tio clínico geral que tratava dela, proibiu o cachimbo; meu pai passou a trazer charutos que achavam menos agressivos. Ela não gostava de cigarro. Tinha uma incrível memória, falava muito sobre meu avô e dizia palavras em francês que ele lhe ensinava. Era negra, alta e magra; deveria ser da etnia iorubá, porque o rosto era bonito e o nariz não era achatado.

Não gostava de médico e de hospital como a minha avó que passou dez anos se consultando em casa. O médico de sinhá Maria era o meu tio Antonito que tratava dela com carinho. Quando adoeceu ficou no leito uma semana, não precisou de cuidadora. Minha mãe era filha de médico, aplicava injeções e entendia de cuidados de enfermagem; cuidou dela com carinho. Morreu tranquila apagando como uma vela. O seu enterro foi igual ao da minha avó, com velório na sala, parentes, amigos e vizinhos que compareceram para homenageá-la e ao meu pai que não dizia uma palavra sequer, mas apresentava uma incrível palidez, parecia doente e disse-me: “minha filha, findou-se um ciclo da minha vida”.

Não falou mais nada. Penso que sua alma chorava, mas era de uma geração que o homem não exteriorizava os sentimentos. Era magro e ficou mais magro, pelo sofrimento, mas não chorou.

Já adulta e muito jovem perdi o grande amor da minha vida, que também era jovem, para uma lesão maligna. Não conseguiu aceitar e passei nove meses, uma gesta, sem vontade de viver, parecia um autômato e tinha um bebê para criar, que estava aos cuidados da empregada bondosa e amiga. Retornei de estalo à vida com força, disposição e alegria. Relembrei então os primeiros lutos na adolescência e entendi que aquele recente era o meu mundo despencando. Foi o maior sofrimento da minha vida. Depois disso sinto que não, serei mais tão abalada. Aceito tudo e peço a Deus força para encarar a relação morte/vida como natural. Penso em uma criança linda e outras coisas boas e maravilhosas da minha vida. Tenho planos de vida.

Tive muito no trabalho contato com a morte, que era até banalizada pela frequência com que ocorria diuturnamente. Eram pessoas desconhecidas que gostaríamos que vivessem, mas não havia sentimento de perda. Só piedade. Foram-se familiares e amigos que sentimos a falta e sofremos, mas procuramos superar a tristeza.

Recentemente foi-se um serzinho com quatorze anos. Era muito amada, a minha linda cadelinha que criei como se fora uma criança e estaria adolescente com quase catorze anos ou já seria idosa? Fiquei abalada e muito triste, mas superar o sofrimento é a meta a ser alcançada, esquecendo a relação tão real de vida/morte. É a vida que segue...

 

 

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