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TEXTOS VENCEDORES DO III LITERATURA DA NATUREZA
TEXTOS VENCEDORES DO III LITERATURA DA NATUREZA

 

TEXTOS VENCEDORES DO III LITERATURA DA NATUREZA

 

CATEGORIA POESIA

CHUVA

Olhei na janela; A chuva lá fora Cai mansa, dengosa, espalhando carinho na terra molhada... E a grama a recebe de braços abertos; e as plantas sorriem, cantando, dançando, com a doce cantiga que a chuva ensinou... Olhei para o alto e os pingos caíram molhando meu rosto... São olhos do céu chorando de amor... Pra mim essa chuva é como uma lágrima que a nuvem derrama só de saudade...; Saudade do amor, saudade da vida, da vida que é linda porque ela é amor... E eu olho pra chuva, que cai de mansinho. molenga, dengosa... espalhando carinho, abraços, sorrisos na terra molhada.

(Lúcia Périssé - medalha de ouro)

 

Bendita seja a água

Bendita seja a água! Que cai do céu e molha a terra. Fecunda a árvore e brota na nascente. Que apazigua a guerra, desperta o coração dormente, e lava a alma de quem erra. Bendita seja a água! Que liga um ponto a outro na Terra. Que conduz o barco e transporta o viajante, Que o Sol aquece E ao céu torna, ternamente. Bendita seja a água! Que dá sustento ao sobrevivente. Que está dentro e fora da gente, Que abriga humildemente, dentro da mãe que vive na Terra, a humana semente.

(Adriana Aparecida de Oliveira Pavani - medalha de prata)

 

O RIO DA MINHA INFÂNCIA Do meu tempo de infância Com saudades eu me lembro, Do rio da Casa Velha E das chuvas de dezembro. O rio ganhava cheia Num bravo desafio As águas corriam e invadiam As terras do baixio. No meu tempo de criança O rio corria noite e dia; A chuva caia, A natureza florescia, E o homem colhia. Hoje, procurei e não vi O rio da Casa Velha; Vi a natureza chorando, As queimadas aflorando, Os animais em extinção; Vi matas se transformando Em celeiros de carvão. Procurei pelo rio da Casa Velha, Ninguém sabe. Ninguém viu! O homem destruiu A chuva não caiu A água secou O rio sumiu.

(Terezinha Teixeira Santos - medalha de bronze)

 

CATEGORIA PROSA

CORTINAS E GRITOS DE ÁGUA - A VIAGEM

Acabei matando a vontade de voar com meu marido. Num avião monomotor de capota de vidro, com dois lugares. Tive que tomar o avião na cabeceira da pista, meio escondido, pois não era permitido voar neste tipo de avião. O piloto na frente e eu atrás de co-piloto. Entusiasmo de alcançar o céu com ele! Fui conhecer as Cataratas de Sete Quedas no Rio Paraná e Foz do Iguaçu. Um sonho realizado. Dormimos no Hotel em Guaíra, em camas de solteiro, o chão de ladrilhos. Estranhei o lugar. Pela manhã, saímos em visita às Cataratas de Sete Quedas. Cortinas de Água e Pontes Suspensas Aventurei-me pelas pontes suspensas sobre as cachoeiras violentas desafiando o perigo. A coragem destituiu o medo. E eu segui pelas passarelas agarrando um fio de segurança de um só lado. Passar por aquelas pontes estreitas impedindo auxílio de mãos dadas. Só uma pessoa seguindo e eu confiando nos meus pés vacilantes empurrados pelo desbravamento de belezas em sete quedas. Por baixo o despejar de águas soluçantes gritando espumas brancas. O fragor das águas batendo, espirrando seu espírito em mim, atraía e assustava. Até hoje não sei como consegui passar por aquelas pontes estreitas sem dar a mão, só cabia uma pessoa atrás da outra. Senti medo e enlevamento. Cortinas densas de água em beleza e poder. Vencedora! Trêmula de encanto! Gravando por meus olhos na Memória dos Inesquecíveis as Cataratas de Sete Quedas no Rio Paraná hoje sepultadas. Enorme perda a inundação desta maravilha sob um lago assassino escondendo os soluços abafados das cortinas de água e pontes suspensas que um dia foram encantamento. Nessa ocasião soube que estava esperando a minha primeira filha e assim ela também conheceu em mim as Sete Quedas. À tarde, levantar vôo rumo a Foz do Iguaçu. Gritos de Água na Garganta do Diabo Emocionante o vôo sobre a Garganta do Diabo nas Cataratas do Iguaçu. Foz. A impetuosidade da água dava a impressão de querer tragar o avião, em vôo rasante, puxando-o para baixo, empurrando-o rumo à torrente. O piloto excelente! De cima uma vista jamais repetida: A grande força das quedas engolidas na Garganta estreita. Temor aliado à enorme alegria de estar voando com ele. Gravada em minha retina por anos esta visão deslumbrante! Por terra fomos aos mirantes visitar as cachoeiras. Do lado brasileiro a visão das três cachoeiras. Bonito. Quedas mais simples, sem entusiasmo. Do lado argentino, pela passarela chegava-se bem perto e, mais bela e possante, via-se a Garganta do Diabo com seu estrondar de águas gritantes. Ao longe a visão do Rio despejando-se em Cataratas. Alguns barcos transportando turistas arrojados chegavam pelo rio no limite e fotografavam as quedas e a Garganta do Diabo. Jamais teria coragem de me arriscar neste passeio! Só de olhar dava arrepios! Troquei o olhar e deixei-o mergulhar num vôo imaginativo. A Garganta do Diabo escancarada em ebulição com gritos de Água metamorfoseou-se. O clamor rouco angustiante na Garganta da Natureza sublimando-se evolou-se ao Céu. A volta ainda mais estonteante. Felicidade da conquista. Voar com o príncipe-piloto de meus sonhos. Tivemos que mudar o curso do avião, dirigindo-nos a Campinas, Aeroporto de Viracopos, devido à grande tempestade ameaçadora com raios e relâmpagos. Pela carlinga do avião (teto transparente) via-se a tempestade em curso, em direção à Cumbica,São Paulo, nosso destino. Raios riscando o céu estremeciam a terra. Relâmpagos azuis, de uma beleza assombrosa. Assustador. O medo transmutou-se. Desafio fazendo-me parte da Natureza em fúria. Um espetáculo. Deslumbramento! Jamais vi algo tão bonito em toda minha vida!

(Aglaé Torres Cristófaro - medalha de ouro)

 

Ondas do mar Conto de Fredericus Após anos de trabalho e andança, eu estava tirando férias por uma semana em uma praia do centro-norte gaúcho. As ondas do Atlântico se armavam e quebravam diante de mim como haviam feito 40 anos antes nesse mesmo lugar e continuariam fazendo quando eu fosse apenas o pó de uma lembrança qualquer. Minha filha pequena segurava minha mão e pulava as ondas, dando gritinhos de satisfação. Nesse lugar, 40 anos antes, eu havia visto uma bela moça num biquíni branco me dar um sorriso e dizer alô. Nos dias seguintes, voltamos a nos encontrar no mesmo lugar. Conversamos como se destino houvesse. Era início de 1968, eu fazia parte da direção do movimento estudantil em Porto Alegre, estudava Direito e Letras, dois enganos. Temíamos que o ano não fosse bom: a repressão política era crescente. Tínhamos de encontrar uma linha entre não nos rendermos à ditadura e não sermos aniquilados. Eu era pobre feito um rato de igreja, mas tinha a cabeça cheia de sonhos sobre como salvar o país. Marcado pela formação católica, não acreditava em Deus, mas ainda acreditava em salvação. O sonho de liberdade acenava um contraponto ao dia a dia era a cenoura que buscávamos arrastando a carroça das tarefas diárias. Eu fazia parte da direção dos centros acadêmicos das Faculdades de Direito e de Filosofia. O perigo nos rondava e ameaçava explodir contra nós . Dizia-se que havia um informante em cada sala de aula. Eu já havia sido submetido, em 1964, a interrogatórios no quartel da minha cidade natal, Santa Cruz do Sul, por causa de artigos escritos em jornal e programas de música que, adolescente, eu fazia como parte das atividades de nossa união de estudantes. Os militares queriam nos ensinar a odiá-los. O único reconhecimento que havíamos obtido pelo trabalho fora a ameaça concreta de vermos nossas linhas sublinhadas por canetas de várias cores, enquanto o capitão nos interrogava sobre quem teria escrito aquilo, sobre quem estávamos acobertando em nossos artigos. Ter algum talento era ofensa. Se fomos, então, considerados “inocentes úteis”, úteis não éramos, e, se alguma inocência tínhamos, nós a perdemos no inquérito. Eu era tímido com as mulheres. Por outro lado, sabia bem que meus anos de peregrinação apenas haviam começado: pouco tempo poderia ainda ficar onde estava. Eu não tinha condições de sustentar uma família, eu nem sequer queria ter família e filhos. Se não tínhamos mais vida eterna a ganhar, tínhamos o mundo a salvar: era tarefa suficiente para um mortal. O preço era ter de fugir para outros lugares, não esperando que os esbirros nos viessem buscar. Os amores só podiam ser provisórios, encontros passageiros, despedidas no alô. As ondas do mar se armavam e quebravam ao meu redor. Eu segurava a mão da minha filha pequena, mas ela me fazia ficar de pé, enfrentando o empuxe das águas. As risadas dela eram sorrisos que a vida me dava, quando eu não esperava mais nada dela. Há 40 anos, nesse mesmo lugar, e contra toda razão objetiva, quando conheci Ismênia em seu biquíni branco, descobri que se aninhava em mim, como um câncer, a esperança de poder me aproximar dela. Marcamos um reencontro em Porto Alegre. Fui visitá-la. Levei flores. Eu não havia proposto nada, mas estava disposto, pela primeira vez, a romper o celibato afetivo que eu me impusera. Antes de eu dizer palavra, ela se pôs a me contar a imensa saudade que sentia de um namorado, a mágoa que a inundava com o fora que recebera. Vi que eu não era ninguém diante disso. Ela só tinha olhos para trás, não para mim. Sem nada dizer, eu me despedi e nunca mais a vi. As aulas recomeçaram na universidade e, com elas, cresceram as tensões e ameaças. A Faculdade de Filosofia foi tomada por um grupo de alunos que eram agentes infiltrados e que queriam propiciar a invasão do prédio pela polícia: conseguimos devolver o prédio ao Diretor, que, como prêmio por ter impedido um massacre, foi cassado com sua equipe no ano seguinte, assim como eu fui impedido sempre de me tornar professor lá. Em meados do ano, no centro acadêmico estourou uma bomba às 11 da noite, estilhaçando uma vidraça na sala em que estávamos reunidos. Por acaso tínhamos pouco antes ido para uma sala ao lado e não fomos atingidos pelos cacos de vidro. Poucas semanas depois, membros da diretoria do CA foram presos e submetidos a interrogatórios, até que se decidiu que todos deveriam sair do Estado. Diante de mim as ondas vão e as ondas vêm, tão parecidas e nunca iguais, como nós, os humanos, espumas do mar. A mão de minha pequena filha me sustenta, enquanto a água nos puxa para o imenso azul e o nada. Sim, naquele ano de 1968 poderíamos ter perdido a vida várias vezes. Numa demonstração estudantil pelo centro da cidade contra o Acordo MEC-USAID e a Jo477, tropas da repressão subiram a Avenida Borges de Medeiros, avançaram também por ruas laterais e nos encurralaram. Nossa única alternativa foi entrar na Catedral Metropolitana, esperando que a “casa de deus” fosse o refúgio que costumava ser na Idade Média. As tropas invadiram, no entanto, o prédio sacro e foram nos encontrar na Sacristia. Fomos postos em fila indiana, com as mãos na nuca. Quando eu ia saindo da Sacristia, levei uma pancada forte na nuca: quando me virei para trás, um revólver foi posto entre meus olhos. No buraco negro da arma, eu pude ver minha morte. Havia gozo no rosto do agente à paisana que me agredira. Do lado de fora, fomos enfileirados ao longo de um muro que havia ao lado da Catedral. Tínhamos de olhar para o muro, mas tínhamos bem noção das metralhadoras e dos cães que nos vigiavam. Ao meu lado, um companheiro sussurrou que iria pular o muro e fugir. Eu disse baixinho para ele ficar quieto, pois se tentasse pular seríamos todos metralhados. Pouco depois apareceu uma comissão de deputados e autoridades eclesiais. O bispo ficou indignado que a Igreja tivesse sido invadida. Fomos liberados. Saí de lá e fui me assentar nos bancos da Faculdade de Direito, assistindo aulas que nos queriam fazer crer que aplicar a lei seria fazer Justiça e o mundo não estivesse fora dos gonzos. Poucos dias depois, nos porões da Faculdade de Direito, onde funcionava o Centro Acadêmico, apareceu um rapaz que me disse ser mineiro e chamar-se Matta Machado, pedindo que nós o abrigássemos, pois era da direção da União Nacional de Estudantes e estava sendo perseguido. Nós lhe oferecemos as salas do Centro para que ficasse. Havia sofás onde ele poderia dormir. Uma semana depois ele já havia sido preso e seu cadáver aparecera boiando nas águas do Guaíba. Com esses e outros sinais, decidimos, no final de 1968, que seria necessário sair das terras gaúchas e ir para outros lugares. O meu sonho de fazer o concurso para o Itamaraty esbarrava na informação sobre a repressão em curso nesse órgão do governo e o controle político que provavelmente se exercia em seus exames de admissão. Nenhum de nós, da liderança estudantil, havia sido convidado, ao terminar o curso, para lecionar na faculdade, e só por convite é que se podia ter uma vaga para lecionar. Era como se fôssemos mais burros que todos, como se sofrêssemos de uma estranha lepra. Tentei lecionar ainda no Colégio de Aplicação, mas aí também as portas estavam fechadas. Não era conveniente fazer nada por nós. Tínhamos muitas perguntas e as respostas que nos davam não nos bastavam. Os donos das respostas não queriam as nossas perguntas. Algo semelhante havia acontecido com um colega nosso um ano antes: convidado a lecionar na Faculdade, para poder assinar contrato foi imposto que ele deveria fazer uma declaração pública rejeitando as convicções políticas que eram tanto dele quanto nossas. Ele queria muito o emprego, mas queria poder continuar se olhando no espelho: recusou-se a fazer a declaração. Teve de ir procurar trabalho em outro Estado. Hoje é um grande pintor, menos reconhecido do que deveria. As ondas do mar vão e voltam, no balanço fugidio da Terra, mostrando como é precária a nossa existência. A mão da minha filha sustenta o universo inteiro para mim, como se ele fosse um todo fechado e cheio de sentido. A pequena mão sustenta as lembranças de muitas andanças, enquanto relembro o que não se quer mais ouvir, como se hoje houvesse liberdade e o controle não fosse mais intenso e perfeito. Os militares, coitados, eram grosseiros amadores na repressão que hoje é feita por profissionais. Eu fui para São Paulo em 1969, aguardando uma bolsa para estudar no exterior. Meu pai me ajudou, não porque me apoiasse politicamente, mas porque minha mãe percebeu que a morte me rondava e acreditou na saída que eu tateava entre as trevas. Foi uma despedida de minha terra natal. Em São Paulo, após alguns meses de fome e desencanto, consegui substituir um professor no Colégio de Aplicação. Sabíamos que a escola seria fechada no final do ano, perdendo a sua qualidade diferencial. A diretoria já havia sido substituída. Eu não sabia que havia colegas e alunos que podiam estar dando apoio à luta contra a ditadura militar, mas era por isso que eles haviam me chamado para trabalhar com eles. Todos usavam máscaras. Havia uma solidariedade que hoje não existe mais. Ela permitia abrir brechas na repressão enquanto rezávamos: liberdade, estende as tuas asas sobre nós. Em setembro de 1969, encontrei certa manhã uma colega, professora de história, sentada na sala dos professores. Poucos dias antes, eu havia dito a ela, por acaso, que eu não acreditava que o movimento de guerrilha fosse capaz de mobilizar forças suficientes para enfrentar as forças do exército e, por isso, achava que ele não era a melhor alternativa. Notei que ela estava com os dois pulsos roxos. Perguntei o que havia acontecido. Como não havia mais ninguém, ela me contou que na noite anterior, ela e o marido, que pertenciam à elite paulistana, haviam sido “visitados” por dois oficiais do exército e submetidos, na própria residência, a um interrogatório preliminar. Ela disse: “eu estava tão nervosa que, para não gritar, fiquei apertando um pulso contra o outro”. Para minha surpresa ela me perguntou o que eu pretendia fazer no final do ano. Eu disse que havia passado num exame de seleção para uma bolsa de estudos no exterior. Ela me perguntou se eu já tinha passaporte. Eu disse que ainda não, mas pretendia providenciar um nos próximos dias, pois se demorava cerca de um mês para consegui-lo. Ela escreveu, então, o endereço de um despachante na Praça Dom Pedro II, dizendo que ele poderia me auxiliar. Naquela tarde fui até esse endereço, onde me recebeu p um senhor alto e elegante. Quando eu disse a que vinha, ele me disse para logo acompanhá-lo. Fomos até o centro de identificação da Secretaria de Segurança de São Paulo. Havia uma fila com centenas de pessoas querendo fazer a carteira de identidade. Achei que levaria horas esperando. O meu despachante me disse, porém, para eu continuar a acompanhá-lo. Passamos na frente de todo o mundo e, na entrada para o posto, ele apenas virou a lapela do casaco para o segurança e logo nos foi dada passada. Disse que, além do passaporte, faria uma nova carteira de identidade para mim. Em dois ou três dias os novos documentos estavam prontos. Enquanto o despachante ia buscá-los na sala ao lado, ao olhar para algumas fotos que estavam na mesa percebi que ele aparecia ao lado do presidente Costa e Silva. Quando voltou, perguntei como ele podia estar tão perto do presidente. Ele me disse que havia chefiado a segurança da presidência, que o escritório de despachante era apenas um disfarce, que ele próprio era oficial graduado do Exército, encarregado de um setor do serviço secreto, tendo mais de quinhentos informantes trabalhando para ele, de prostitutas e ascensoristas a taxistas e professores. Estendeu-me o passaporte e disse: “Tome, e saia depressa do país. Boa viagem.” Foi o que fiz, como se tivesse tirado a sorte grande. Dos meus colegas de serviço que tiveram de ficar por dependerem do emprego, vários foram postos no pau de arara. É pena que na Alemanha o governo não tenha entendido que convinha ficarmos longe do Brasil: no final do segundo ano, cortou as bolsas de Dagmar, Walter e a minha, não permitindo que concluíssemos o doutorado. Todos três havíamos sido colegas em Porto Alegre e éramos descendentes de alemães. Talvez os alemães temessem ser considerados nazistas se deixassem teuto-brasileiros completarem os estudos na Alemanha, retomando a cultura dos antepassados, talvez quisessem que não fôssemos concorrentes de outra raça nas vagas docentes da universidade, talvez fôssemos, como sugeriam, indignos de conviver na alta civilização européia. Não sei, nada nos foi dito, nada até hoje nos foi esclarecido: só sei que não se quer que se fale sobre coisas assim. Sobrevivi mais um tempo fora do Brasil. No exterior, eu só valia, na melhor das hipóteses, como força bruta de trabalho: não podia ser homo sapiens. Quando voltei a São Paulo no final de 1972, na era Médici, a época do terror maior, para tentar concluir um doutorado, a primeira pessoa que encontrei foi uma ex-colega, uma morena de olhos verdes que havia estudado filosofia. Ela recém havia saído da prisão, onde fora interrogada durante semanas, com o marido e a filha recém-nascida. A filha pequena havia pego uma pneumonia na prisão e a mãe estava muito preocupada em salvar sua vida. Na avaliação da antiga colega, “os que nos interrogavam não queriam acreditar que nem eu nem meu marido não tínhamos mais nada a ver com o movimento estudantil. A Operação Bandeirantes, a Oban, queria mostrar serviço, mostrar perigo maior do que havia para o regime e, assim, garantir as suas próprias mordomias.” Se líderes políticos famosos estavam sendo assassinados na época, por que não poderiam ser desaparecidos pequenos anônimos como nós? No início de 1974, fui com amigos visitar Buenos Aires. Quando tive de atravessar a aduana em Montevidéu, o funcionário me perguntou qual era a minha profissão. Eu não queria mentir. Eu estava fazendo um doutorado, mas estudante não era propriamente uma profissão. Algo como bolsista também não. Professor eu não estava podendo ser. Eu disse, então, que era “pesquisador”. O funcionário uruguaio disse logo: “Oh, si, investigador”. E rapidamente me abriu as portas para eu passar, como se eu tivesse alguma importância. Meus amigos levavam o diploma de formatura de colegas que haviam tido de sair do Brasil para não serem presos e que tinham se refugiado no Chile. Com o golpe contra Pinochet, uma parte deles havia sido metralhada num estádio de futebol, outra parte havia conseguido se refugiar na Argentina, onde esperavam o golpe militar que viria em breve: esperavam fugir dele, pois estavam com pedido de exílio para a Suécia, embora preferissem ir para a França. Assim, o diploma poderia ajudá-los a terem mais chances no exílio. Havia certa vergonha em ser exilado: a vergonha de ser cidadão de um país que expulsava seus filhos e ameaçava a sua existência dentro e fora do território. As ondas vão e as ondas vêm, como se o oceano tivesse todo o infinito à sua disposição. Eu dava as costas para a areia da praia, mas meus pés estavam afundados nas areias da imensa ampulheta que nos aprisionava. Teria sido tão melhor ter nascido em outro tempo e outro lugar. Passa a memória, mas não passa, porém, o tempo para coisas que ficam para sempre na memória. A mão de minha filha me sustentava: assim eu tinha forças para ver no azul esbranquiçado do mar, enquanto ela brincava, a cor de chumbo da história. (Flávio René Kothe - medalha de prata)

 

VIDA À VIDA

Podem as estações do ano estar às avessas, mal distribuídas e escassas as chuvas, poluídos o ar e a água, desregrado o desmatamento, insuportável o calor pelo rombo na camada de ozônio. Pode a natureza pedir, e está pedindo, socorro. Apesar de tudo isto, nada tira a beleza do raiar do sol, dissolvendo a escuridão. Tamanho espetáculo da natureza nos faz refletir sobre a grandeza do universo. Aos poucos e preguiçosamente, a bola de fogo aparece e consigo vem o brilho esplendoroso do amanhecer. Novo dia que desponta trazendo a todos a esperança de renovação, como renovado está o astro rei. Sem pressa, ele atravessa nosso caminho mudando de direção no espaço infinito fazendo brilhar o dia, como o faiscar dos olhares apaixonados. Na sua lenta marcha para o horizonte, vai deixando seu rastro luminoso tocar o chão, aquecendo e distribuindo, indistintamente, luz e vida. Progressivamente seu tom alaranjado se acentua e entre nuvens vermelhas, um espetáculo estonteante vem à mostra. Devagarzinho o sol se põe anunciando que a noite está para chegar. Poeticamente ele também precisa de descanso para "nas eternas manhãs renascer sempre jovem".

(Maria Rita de Cássia Preto Miranda - medalha de bronze)

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